Em entrevista a Oeste, o diretor da Athenagro Consultoria, Maurício Palma Nogueira acredita que o embargo da China vai além do “problema sanitário”.
O veto às exportações de carne bovina brasileira à China reacendeu a discussão sobre como a economia nacional está calcada nos interesses chineses.
Há três meses, os produtores brasileiros estão impedidos de embarcar o produto para o país asiático. Tanto tempo de bloqueio na negociação entre os dois países chama a atenção dos especialistas do setor.
Em entrevista a Oeste, o diretor da Athenagro Consultoria, Maurício Palma Nogueira disse que “se trata de uma pressão chinesa para que a indústria brasileira reduza os preços de venda”. Porém, ele acha que esse “jogo” não vai surtir o efeito esperado pelos chineses.
1 — O que de fato existe por trás desse veto de exportação da China à carne brasileira?
A justificativa para o embargo à exportação de carne brasileira para a China foi a ocorrência do caso atípico da doença da vaca louca em dois animais no Brasil. O caso é atípico porque a ocorrência não é transmissível para outros animais, o que consiste em um evento biológico natural. O controle no Brasil é reconhecidamente rigoroso, tanto é que, de imediato, a Organização de Saúde Animal declarou que o status sanitário do país seria mantido. Dado o contexto em que tudo se desenrolou, acreditamos que parte da motivação para o embargo seja de ordem comercial. Em outras palavras, trata-se de uma pressão chinesa para que a indústria brasileira reduza os preços de venda.
2 — Esse jogo político vai resultar em um abatimento do preço da carne?
No comércio, essa prática é comum, ainda mais se tratando dos chineses que são historicamente duros nas negociações. Justamente por representarem uma fatia muito grande das vendas brasileiras, os chineses usam com frequência desse tipo de pressão. Não acreditamos que a pressão surta efeitos nos preços de mercado. Tanto é que as cotações já voltaram a subir. A China, assim como todos os demais compradores no mercado internacional, continuará pagando preços mais elevados pela carne. Vivemos um momento de baixa oferta no mercado global de proteínas. Até o momento, a produção asiática não se recuperou integralmente dos efeitos da epidemia da peste suína africana, que impactou a produção de carne suína.
3 — As indústrias ficaram muito receosas em relação a esse veto e à demora por parte da China em liberar as exportações novamente. O mercado de carne brasileiro está na mão dos chineses?
Hoje, os chineses representam cerca de 50% das exportações de carne bovina brasileira. Em termos comerciais, essa situação é desconfortável para ambos os países, que ficam vulneráveis ao humor do mercado, tanto de um lado como do outro. É natural que ambos busquem diversificar fornecedores e clientes. Agora, imagine que a China consiga substituir o Brasil em parte de suas compras. Essa ocorrência abriria outro mercado para o Brasil, ocupando o espaço do exportador para outros mercados consumidores. Portanto, na relação entre fornecedor e cliente, irão pesar também os diversos acordos comerciais, sejam eles em blocos sejam estabelecidos individualmente. Em termos de fundamentos de mercado, pode-se dizer que a China tem fôlego para aumentar a demanda. O Brasil tem fôlego para responder à oferta. Trata-se de uma relação natural.
4 — Muito se fala em prejuízos com esse veto, tanto para indústria quanto para o pecuarista. De qual forma isso pode afetar o mercado interno brasileiro?
Com a recente liberação das cargas embarcadas até o início de setembro, o risco para a indústria se reduziu. Mas não se pode negar que houve uma frustração nos resultados. No entanto, o grande prejuízo acabou na mão dos produtores, especialmente aqueles que se prepararam para ofertar os animais que estavam confinados à espera da venda. Os lotes que foram negociados durante esse período representaram resultados negativos para os pecuaristas. A única alternativa para o produtor teria sido a gestão de riscos através de contratos no mercado futuro, realizado na Bolsa de Valores de São Paulo. No entanto, essa estratégia deveria ter sido conduzida no início do projeto de confinamento, entre os meses de abril a junho.
5 — Ao suspender a importação de carne brasileira, como a China faz para suprir a demanda interna?
Acreditamos que não há muita margem de manobra para abastecer a população interna. Sendo assim, a pressão não deve se estender por muito tempo. Mas os chineses podem garantir algumas semanas de tranquilidade administrando estoques, sejam eles importados sejam produzidos no próprio país. Nesse caso, os estoques envolvem outras proteínas e não apenas a carne bovina.
Fonte: Revista Oeste, link para notícia original