Se há pouca oferta é porque há poucos produtores vendendo ou então muitos vendendo quantidades menores… Quem foi capaz de entregar produtos durante a fase de preços mais elevados no mercado?
Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
Ao final de 2023, um ano complicado para a pecuária de corte, uma análise da Athenagro direcionada aos clientes mostrava como as propriedades de diferentes níveis tecnológicos iniciariam o ano de 2024, em relação ao caixa acumulado.
Considerando o ciclo completo, a cada hectare de pecuária conduzido com alta produtividade, as propriedades iniciariam o ano com caixa de R$750,00 a R$1.200,00. As de baixa tecnologia, por sua vez, começariam 2024 com caixa em torno de R$300 a R$400 por hectare em produção.
No nível baixo de produtividade, em modelos praticamente extrativistas, as propriedades iniciariam o ano com caixa negativo, consumindo patrimônio ou tendo que reduzir o rebanho para pagar as contas.
Quando a análise é feita em longo prazo, a situação é ainda pior. Somando o acumulado dos resultados líquidos em 25 anos, as fazendas conduzidas com maior aporte de tecnologia somaram lucros acumulados de R$ 25 mil a R$40 mil por hectare em atividade. Evidentemente que esse dinheiro não está na conta bancária. Ao longo dos anos os valores foram investidos em aumento do rebanho, modernização do sistema, ampliação de área, em outras atividades ou aumento no padrão de vida. Na maior parte dos casos ocorreu um pouco de tudo.
Na baixa tecnologia, em 25 anos, a atividade de ciclo completo teria gerado lucro acumulado de R$5 mil a R$10 mil por hectare. Na pior extremidade, com baixíssimo aporte tecnológico, o produtor teria somado pouco mais de R$200 de resultado líquido acumulado por hectare. Os valores dos lucros somados foram todos corrigidos de acordo com a inflação medida pelo IGP-DI.
A diferença é grande e indica o fôlego que cada propriedade tem para enfrentar os desafios e exigências dos próximos anos.
A importância de aplicar tecnologia na pecuária tem sido alertada há anos por diversas organizações privadas, centros de pesquisa e universidades. Na Athenagro, e até antes, ainda na Bigma Consultoria, esse tem sido o tema central e reincidente ao longo dos últimos quase 20 anos. Foi também a principal bandeira levada a campo desde a segunda edição do Rally da Pecuária, em 2011, a primeira conduzida pela atual equipe.
Através de pesquisas e estudos sobre a pecuária e informações de mercado acompanhadas por séries de preços que remontam ao início da década de 1970, é possível estimar o desempenho econômico da pecuária conduzida em diversos níveis de tecnologia. Na produtividade média atual, com 5 arrobas por hectare por ano (@/ha/ano) – ou 75 kg de carcaça/ha/ano – um produtor de ciclo completo teria obtido lucro em torno de R$250,00/ha na média dos últimos cinco anos.
Com a mesma produtividade, entre os anos 1970 e 1980, esse lucro seria 4,6 vezes maior, em torno de R$1.145/ha/ano. A perda de renda é incontestável.
E só não é pior pelo fato de a pecuária de corte vir passando por uma significava reestruturação do rebanho, o que provocou aumento nos preços históricos da pecuária no período dos últimos 30 anos. A partir de meados da década passada, em torno de 2015, os estoques excedentes de animais “erados” (mais velhos) foram reduzidos. Esse comportamento fez com que os preços se tornassem mais dependentes da capacidade de produção das propriedades do que da quantidade de animais em estoques – que podem rapidamente ser abatidos em um cenário de estímulo por preços.
Essa situação favorece os produtores com maior capacidade de resposta, que são os mais tecnificados. E desfavorece aqueles ainda alicerçados em sistemas de baixo desempenho.
Ao final da década, em 2019, os acontecimentos que vinham ocorrendo de forma lenta, dentro da velocidade típica de produção de ciclo longo da pecuária, ganharam um forte impulso pela demanda do mercado chinês, após a ocorrência da peste suína africana que abalou o abastecimento do país. Logo depois, o mercado ainda foi estimulado pelo desequilíbrio e incertezas geradas pela pandemia e os consequentes aportes de recursos para a população de diversos países que tinham poucas opções para gastar com entretenimento. A opção de gastos das pessoas, no Brasil e em outros países, foi melhorar o padrão da alimentação nas residências, alterando o comportamento do orçamento familiar em escala global, especialmente em países de baixa renda.
Para a pecuária de corte brasileira, esse comportamento implicou no maior preço médio anual, em valores reais corrigidos pelo IGP-DI, dos últimos 30 anos. A cotação média da arroba do boi gordo em 2021 foi 38% superior à média do período, o equivalente a quase R$90,00 a mais por arroba, em valores atuais. Não foi pouco.
Lembrando que, além da demanda, o ajuste histórico da estrutura do rebanho brasileiro contribuiu com a elevação do patamar de preços, o que aliviou a queda de resultados nas propriedades de baixa tecnologia.
As análises econômicas, no entanto, escondem uma perversidade típica do mercado. Preços sobem porque há pouca oferta diante da demanda. Se há pouca oferta é porque há poucos vendendo ou muitos vendendo quantidade menores.
Resta a pergunta. Quem foi capaz de entregar produtos durante o período de preços mais elevados no mercado?
Desde 2015, os relatórios do Rally da Pecuária vêm apontando que 20% dos produtores de maior produtividade, dentro daquele universo pesquisado, estão concentrando 50% a 60% do total das vendas. E não são os maiores, visto que ocupam algo em torno de 10% da área pesquisada. O perfil de produtores de maior produtividade respondeu mais rapidamente, garantindo as escalas nos momentos de maior demanda e, consequentemente, de melhores preços. Importante lembrar também da característica de animais exigidas para atender o mercado chinês. Quantos estavam prontos para atender?
Os preços altos do boi gordo não representam nada para quem não tem o que vender. E aí entra outra ironia do mercado. Diante de tamanha perspectiva de remuneração com os preços altos, os produtores de baixa produtividade correram para se adaptar, investindo e buscando aumentar a escala justamente quando todos os mercados estavam em alta: preços dos animais, insumos, alimentos etc. E nem vamos tratar aqui do custo do aprendizado quando há um incremento tecnológico no sistema de produção.
Os produtos oriundos dos investimentos feitos no período de alta foram vendidos no momento seguinte, de baixa. Os avanços de alguns indicadores técnicos durante o período são fantásticos pelo curto prazo em que ocorreram. E o resultado somado desses avanços é a queda dos preços pecuários próxima de 21% em 2023, quando comparada a 2021, em valores reais.
Muitas vezes, tais conclusões não aparecem nos estudos sobre resultados pecuários, porque os mesmos não envolvem análise do fluxo de caixa, o que requer o acompanhamento de cases e não de indicadores. É por essa razão que as análises de empresas que acompanham benchmarking diferem das que acompanham indicadores, como é o caso da Athenagro.
Mas diferem apenas nos números de alguns períodos. Não na análise de longo prazo e tampouco nas conclusões.
O fato é que a régua tecnológica subiu na pecuária. E se até 2019 era possível a qualquer pecuarista partir da baixa tecnologia para aportes crescentes até atingir níveis elevados de produtividade, hoje essa possibilidade ficou limitada a duas situações: disponibilidade de capital próprio deslocado de outras atividades ou acesso a crédito obtido no sistema financeiro.
Em ambos os casos, o risco também passa a ser maior, o que exigirá muito mais da gestão do processo e condução da atividade. Em outras palavras: ficou mais difícil.
O investimento médio demandado para o aporte tecnológico na pecuária é entre R$800,00 a R$1.200 para cada arroba que se deseja produzir a mais por hectare. Portanto, para sair da produtividade de 5@ para 10@/ha/ano, o investimento médio necessário será entre R$ 4 mil e R$ 6 mil para cada hectare, no prazo necessário para executar o planejado.
Revendo o início deste texto, é possível comparar o caixa disponível nas propriedades com diferentes níveis tecnológicos. E é possível concluir qual o tipo de produtor que tende a crescer mais nos próximos anos.
Há um perfil típico que vem caracterizando a pecuária de sucesso no Brasil. E está cada vez mais difícil sair do tradicional para acessar o perfil mais competitivo.
Aos pecuaristas de baixa produtividade restará uma decisão difícil pela frente. O que fazer? Há caixa disponível para investir? É possível obter créditos bancários para completar os recursos que serão demandados? A equipe da propriedade, do nível estratégico ao operacional, é capaz de conduzir um projeto de intensificação? Os proprietários estão dispostos a conhecer e usar ferramentas de proteção de preços?
Dependendo das respostas, a decisão já está tomada. E foi tomada pelo mercado. Não se trata de opinião ou de torcida. É matemática básica.
Essa realidade só mudará se houver uma radical mudança na conjuntura econômica do país, causada por algum acontecimento interno ou externo. Em um ambiente normal, o cenário é esse.
Para os que não se movimentaram quando a situação favorecia, chegou a hora de pensar na despedida. Quanto mais cedo analisar e decidir, mais recursos serão preservados.
É o processo de concentração do mercado na prática. Triste, mas inexorável.