‘Pegada Hídrica’ analisa impacto da água na pecuária de corte e de leite

São Paulo, 20 de Abril de 2016
Por Equipe SNA 

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e a Embaixada Britânica, vai divulgar, até o final deste ano, as conclusões de um estudo inédito no Brasil sobre a pegada hídrica nas cadeias produtivas da bovinocultura de corte e de leite. O projeto começou há dois anos e tem como objetivo mostrar a quantidade de água utilizada nas atividades de corte e de leite e seus impactos na Bacia Hidrográfica do Rio Preto, no município de Unaí, no Estado de Minas Gerais, a partir de dados da Embrapa Pecuária Sudeste (SP).

“Optamos por Unaí que, além de ser uma bacia representativa, tem agricultura e pecuária e é uma unidade de referência no Brasil em produção agrícola”, justifica o coordenador de Sustentabilidade da Comissão Nacional do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Irrigação da CNA, Nelson Ananias Filho. “As observações preliminares do estudo são favoráveis em relação ao uso mais eficiente da água”, afirma.

Ananias conta que a metodologia do estudo foi dividida em quatro fases: definição de escopo, no caso leite e corte; cálculo da pegada – com base no uso da água verde (da chuva), azul (captada nos mananciais) e cinza (necessária para fazer a disposição final dos efluentes) –; delimitação de uma realidade, no caso, o município de Unaí; e adoção de medidas para o melhor aproveitamento da água.

“Realizamos os três primeiros passos e, para que a metodologia se complete, e precisamos realmente saber a pegada hídrica desse projeto e fazer as recomendações para o melhor uso dessa água”, prevê Ananias.

De acordo com o representante da CNA, a pegada hídrica é um termômetro, orienta o uso mais eficiente da água e indica saídas mais efetivas para os produtos brasileiros, facilitando a abertura de novos mercados. “Trata-se de um indicador, mas precisamos agregar outras variáveis para melhorar o uso da água, além de incentivo à utilização de equipamentos e tecnologias; a própria gestão da água deve ser aprimorada, assim como a questão da utilização de efluentes e reuso”, enumera.

COMPONENTE ADICIONAL

Conforme explica Albano Henrique Araújo, consultor em sustentabilidade e recursos hídricos que também está envolvido com o estudo, a pegada hídrica considera um componente adicional, o tipo de água verde, que está no solo e que as plantas absorvem e evapotranspiram.

“Essa água não é utilizada nos cálculos tradicionais, por isso a pegada hídrica é bem maior quando se fala em consumo de água. Por outro lado, quando eu comparo a disponibilidade, a quantidade de água verde é superior àquela disponível nos rios e nos aquíferos. Em média, 2/3 da água que chega aos continentes através das chuvas fica no solo e 1/3 vai para os rios, lagos e aquíferos”, dimensiona Araújo.

De acordo com o consultor, entre as atividades agropecuárias, a que mais demanda de água disponível (azul) é a agricultura irrigada, enquanto a produção de animal geralmente utiliza uma quantidade pequena. “Em Unaí, por exemplo, a produção animal consumiu cerca de 3% da água disponível (azul), enquanto a demanda, com base no cálculo tradicional, feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), é 3,4% e no caso da pegada hídrica, é 2,8%”, compara.

Na opinião do consultor, o problema é que o município de Unaí tem uma atividade de agricultura irrigada muito intensa, com maior demanda justamente no período seco. “Nesse caso, tanto usando uma abordagem tradicional como a pegada hídrica, há uma situação crítica, na seca, quando o consumo da água para irrigação ultrapassa o limite de disponibilidade”, comenta e lembra que, para a produção animal, isso não é problema em nenhuma época do ano.

O consultor afirma que Unaí tem 8000 hectômetros cúbicos (hm3) de água verde disponível e os animais consomem 1.500 hm3, ou seja, menos de 25% (um hectômetro cúbico equivale a um milhão de metros cúbicos e é uma unidade muito usada para medir a capacidade de reservatórios). “Nesse estudo, não calculamos a pegada hídrica do quilo de carne, consideramos o consumo de água na atividade”, esclarece.

“Unaí, como outras regiões, apresenta chuvas concentradas em certos meses do ano. Nos meses de chuvas intensas a condição hídrica é confortável, mas nos meses de seca, de maio a setembro, a fragilidade hídrica é maior; isso indica que devemos utilizar práticas, manejos e tecnologias que conservem a água em quantidade e qualidade, reduzindo a necessidade de captação das fontes superficiais e subterrâneas”, salienta Julio Cesar Pascale Palhares, pesquisador da Embrapa e coordenador da pesquisa “Avaliação de Impactos Ambientais e Manejo de Recursos Hídricos na Pecuária”.

Como forma de reduzir a pegada hídrica na pecuária, Araújo indica a adoção de sistemas produtivos mais eficientes em manejo, captação de água de chuva, reuso e preservação de rios e nascentes. “Quanto mais criar a pasto, melhor para a sustentabilidade, quanto mais utilizar água verde, melhor do ponto de vista hídrico”, analisa.

CONFUSÃO

Segundo o engenheiro agrônomo Maurício Palma Nogueira, sócio e coordenador de pecuária da Agroconsult, empresa associada ao Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), a forma como a água é utilizada na pecuária geralmente é mal explicada, gerando confusão.

“Estima-se que, na média global, a produção de 1 kg de carne bovina demanda 15,4 mil litros de água”, menciona. No entanto, ele diz que, ao contrário do que se imagina, a água demandada pela pecuária não é toda destinada à dessedentação dos animais.

Nogueira diz que é preciso considerar outros aspectos para entender a afirmação que a pecuária lidera o consumo mundial de água. De acordo com estudos, os usos da água divide a demanda em três grupos, por cores: a água azul provém de captações dos recursos hídricos superficiais (rios, represas e lagos) ou subterrâneos (poços); a verde indica o consumo via transpiração das culturas vegetais e evaporação pelo solo; e a cinza refere-se a água necessária para natureza diluir os insumos e resíduos utilizados como fertilizantes e os efluentes.

“Na produção de carne bovina, a maior parte da água cinza é demandada nos frigoríficos; já nas fazendas, entra nessa classificação a água usada para limpeza de instalações, currais, galpões, etc.”, exemplifica Nogueira que diz que esse uso é pouco comum na produção de bovinos corte, mas é bem recorrente na produção leiteira.

O consultor Albano Araújo afirma que o animal bebe água azul e, quando se alimenta com ração ou com o pasto, consome água verde, caso não tenha sido usada a irrigação na produção das culturas. “Quando se calcula 15 mil litros para produzir um quilo de carne, cerca de 14.500 refere-se a água verde e 500 litros à água azul que é utilizada na dessedentação, higienização e lavagem de instalações.

O CAMINHO

Na opinião de Nogueira, o caminho para reduzir a pegada hídrica, aumentando a produção de carne por unidade de água utilizada, é a produtividade. Conforme explica, graças à incorporação de tecnologias voltadas para a melhoria da qualidade da nutrição animal, do manejo e dos tratos das pastagens, os ganhos em eficiência estão em uma curva ascendente desde meados da década de 1990.

“Soma-se a esses fatores, em uma segunda etapa, os investimentos em infraestrutura e no melhoramento genético do rebanho que resultaram na evolução da produção de bezerros, na redução da idade de abate e no aumento no peso médio da carcaça”, comenta. “Para se ter uma ideia, a produção saltou de 1,65 arroba por hectare ao ano em 1990 para 4,2 arrobas até 2014, um incremento de 154,5% na produtividade.”

Nogueira lembra que, em 2015, o peso médio da carcaça foi o maior da história, conforme os indicadores acompanhados pela Agroconsult e pelo relato dos maiores frigoríficos brasileiros. “Aumentou de 224,0 quilos para 244,5 quilos”, destaca.

EXPERIMENTO DA EMBRAPA

Com o objetivo de calcular a pegada hídrica do produto carne bovina e leite, desde o ano passado a Embrapa Pecuária Sudeste está realizando o Projeto Pegada Hídrica em sistemas de referências montados na fazenda da unidade em São Carlos, SP. No caso do gado de leite, a produção é intensiva, a pasto, com irrigação e, no corte, em sistema de confinamento.

Para tanto, equipamentos registram o consumo de água e a ingestão individual de alimentos dos animais, dados que serão utilizados para calcular a pegada hídrica. Além de intervenções nutricionais, serão avaliadas intervenções tecnológicas, como a captação da água de chuva e o reuso de efluentes.

“Já realizamos experimentação em bovinos de leite; basicamente, manipulamos a nutrição dos animais, variando os teores de proteína nas dietas e avaliando como isso impacta o valor da pegada hídrica”, conta Palhares. Ele acrescenta que a partir de junho começam os levantamentos com o gado de corte.

“O valor cálculo da pegada, com base nos litros de litro de leite e litros de água por quilo de carne é um dos resultados que nós vamos ter; então, a pegada é uma ferramenta que estamos utilizando para chegar à gestão do recurso hídrico”, esclarece e informa que o estudo relaciona a nutrição com a questão da água e o manejo de resíduos dos animais.

Com base nos dois sistemas de referência, a partir do segundo semestre deste ano até o fim do primeiro semestre de 2017 serão avaliadas dez propriedades de corte e dez de leite do Centro-Oeste e do Sudeste, para fazer o cálculo da pegada de cada uma delas.

“Ao final do projeto, queremos responder quanto de água é usada para se produzir um litro de leite e um quilo de carne, quais as maiores demandas e as maiores ineficiências hídricas neste processo”, planeja. “Nossa proposta é promover a gestão do recurso hídrico e organizar as informações em um software para disponibilizar aos produtores de gado de corte e de leite”, antecipa.

Fonte da Notícia
SNA

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