Maurício Palma Nogueira* – O Estado de S.Paulo
A pecuária é uma das atividades mais criticadas por quem se preocupa com questões ambientais e sociais. A preocupação é legítima e a pressão da sociedade é fundamental para acelerar o processo de adaptação do setor produtivo a um mundo cada vez mais populoso e sedento por qualidade de vida. Os supostos efeitos negativos da pecuária brasileira, porém, são frequentemente superestimados.
Um exemplo são as emissões de metano e gás carbônico pelos bovinos. Em média, um bovino emite 53 kg de metano e 50 kg de gás carbônico (CO2) por ano. Em 2014 o Brasil manteve um rebanho de 208 milhões de cabeças, emitindo 11 milhões de toneladas de metano e 10,4 milhões de toneladas de gás carbônico.
Há controvérsias com relação à equivalência de metano em gás carbônico. Dados mais antigos apontam que cada molécula de metano equivale a 21 moléculas de gás carbônico, enquanto outros estudos mais recentes indicam que na atmosfera e sofrendo o efeito de outros gases essa equivalência cairia para apenas 6 moléculas de CO2. O equivalente em gás carbônico é a unidade padrão para referência.
Considerando a equivalência de 21 moléculas, em 2014 a pecuária brasileira teria emitido 240 milhões de toneladas em equivalente gás carbônico. Esse cálculo, no entanto, desconsidera a contribuição das pastagens no sequestro de carbono.
Incapaz de consumir toda a forragem disponível na área, o bovino acaba ingerindo apenas as folhas, especialmente as mais novas e tenras. Mesmo com bons manejos, os bovinos a pasto retiram apenas 30% a 40% da matéria seca disponível. O restante volta ao solo como material morto, reiniciando o processo de ciclagem de nutrientes. Serve também como cobertura vegetal, mantendo a umidade e a temperatura do solo.
Grosso modo, o que cresce acima do solo cresce também abaixo. E as raízes não são standard nas touceiras de pastagens. A cada ciclo de produção quase todo o volume precisa ser refeito, aumentando ainda mais a massa vegetal incorporada ao solo e, com isso, a capacidade de armazenamento de carbono. Em pastagens bem manejadas, tais ciclos são de 25 a 30 dias na época das chuvas e em torno de 60 a 90 dias na época da seca.
Quando contabilizamos essa reciclagem da forragem não consumida (parte aérea e raízes), conclui-se que o sistema produtivo compensa todas as emissões dos bovinos. Com base na composição da matéria vegetal e na dinâmica da relação entre carbono e nitrogênio no processo de humificação do solo, é possível estimar que as pastagens sequestrem três a cinco unidades equivalentes de CO2 para cada unidade emitida pelos bovinos. Atualmente o rebanho brasileiro ocupa 168 milhões de hectares de pastagens, com capacidade de absorver mais de 720 milhões de toneladas em equivalentes gás carbônico.
A quantificação exata do volume sequestrado no sistema produtivo ainda precisa ser identificada por pesquisas a campo nos diferentes níveis de tecnologia da pecuária. Mas é inegável a existência de um saldo positivo quando se considera a relação entre pastagens e bovinos. Esse saldo tem sido chamado de emissões líquidas de carbono.
Confirmando-se o volume sequestrado de carbono, a bovinocultura passaria da condição de emissora a neutralizadora de carbono, com o saldo passando dos 480 milhões de toneladas em equivalentes gás carbônico. O que é considerado passivo ambiental, portanto, passaria a contar como ativo, melhorando o balanço das emissões brasileiras.
Apesar das diversas críticas ao sistema de produção a pasto do Brasil, do ponto de vista ambiental esse modelo de produção é mais eficiente que o adotado nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, a terminação em confinamento é usada estrategicamente para corrigir a diferença entre a produção das pastagens nos diferentes períodos do ano. Entre 70% e 80% da produção das pastagens se dá no período chuvoso. A essa diferença se dá o nome de “curva de estacionalidade”. Sempre que aumentar a produtividade no período de chuvas, haverá a necessidade de aumentar a quantidade de animais que terminam em confinamento.
Mesmo que o desempenho animal do tipo de bovino e da alimentação usada na pecuária brasileira seja inferior ao europeu e ao norte-americano, é essencial evitar a armadilha de querer copiar modelos da pecuária de clima temperado para o clima tropical. Por muitos anos esse foi o grande erro da agricultura. Erro que começou a ser corrigido em meados da década de 1970 com o advento do plantio direto; o País adaptou o sistema de produção e é hoje o único detentor de tecnologia para a produção nos trópicos. O mesmo raciocínio vale para a pecuária.
Considerando apenas a área de pastagens, de acordo com dados da FAO, a pecuária brasileira é 30% mais produtiva que a norte-americana. Se incluirmos toda a área de milho e soja para os confinamentos, concluiremos que a eficiência da pecuária brasileira é ainda maior em relação à dos EUA. O mesmo na comparação com a Europa.
Ainda assim, no Brasil todos os players da bovinocultura são conscientes da necessidade de implementar tecnologia em ritmo ainda mais acelerado do que nos últimos dez anos. E os benefícios do aporte tecnológico são incontestáveis. Se produzíssemos o volume atual de carne bovina com a mesma produtividade da década de 1990, teríamos de ter desmatado outros 250 milhões de hectares.
É fundamental informar corretamente o público com relação à pecuária que vem sendo conduzida no Brasil, cada vez mais sustentável. Caso parcela da sociedade decida alterar o seu hábito de consumo, orientada por desinformações – sugerindo a associação entre a pecuária e problemas ambientais -, o único efeito prático será o atraso no processo de aporte tecnológico, o aumento dos custos nas empresas relacionadas e o impacto direto na vida das cerca de 6,75 milhões de pessoas que vivem, direta e indiretamente, da bovinocultura.
* Engenheiro agrônomo