Sob pressão, produtores emagrecem pacote tecnológico durante a crise. Preços iniciam movimento de recuperação neste segundo semestre
Por Lauro Veiga Filho
Atingida por uma “tempestade perfeita” na primeira metade do ano, conforme descrição do pecuarista e consultor Maurício Negreiro Velloso, a pecuária de corte esboça alguma reação neste semestre. Mas ainda não teria conseguido superar a crise, na avaliação do gerente técnico da Associação Nacional da Pecuária Intensiva (Assocon), Bruno Andrade, para quem a recuperação virá somente no trimestre final do ano.
Num ciclo já caracterizado como de baixa, de acordo com Andrade, o mercado foi abalado ainda por uma série de eventos externos que se somaram ao excesso de oferta verificado na passagem de 2016 para 2017 e a uma demanda doméstica ainda enfraquecida. “Entramos em 2017 com uma oferta extra de animais disponíveis para abate. A estimativa deste total varia entre 8% a 12% a mais de animais, que não serão abatidos ao longo do ano. Parte deste estoque vai passar para 2018”, aponta Maurício Palma Nogueira, coordenador do Rally da Pecuária e sócio da Agroconsult. Entre outras constatações, a expedição deste ano constatou um incremento de 9,2% no peso médio dos animais estocados, de 9,8 para 10,7 arrobas, reforçando a oferta neste ano.
Na série estatística do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), o mercado já vinha apresentando tendência de baixa desde o segundo semestre do ano passado, período em que os preços médios da arroba haviam acumulado recuo de 4,7% em termos nominais. As perdas agravaram-se a partir da segunda quinzena de março, quando estourou a Operação Carne Fraca, levando a uma desorganização do setor de produção de carnes ainda não superada, e ganharam novo impulso a partir de junho, com as delações do grupo JBS, responsável por praticamente um terço dos abates realizados no País sob inspeção federal e por 40% das exportações de carne bovina.
Para complicar um pouco mais, os Estados Unidos decidiram suspender, em junho, a compra de carne in natura brasileira, apenas um ano depois de ter liberado a importação. “O que houve foi um terrorismo dos EUA em relação a nossas exportações”, expressa Velloso, ao considerar excessiva a reação norte-americana à identificação de abcessos em lotes da carne exportada pelo Brasil, causados pela vacina aplicada no rebanho para combater a aftosa.
Segundo Andrade, todo esse cenário, impactado ainda pela decisão da JBS de realizar suas compras apenas a prazo, elevou a desconfiança dos produtores em relação à solvência dos frigoríficos. Em reação, prossegue ele, os pecuaristas passaram a reter animais e a realizar vendas picadas, vendendo apenas o necessário para fazer frente a gastos correntes e a compromissos, além de diversificar as vendas, escolhendo novos compradores entre os frigoríficos. “Passou a haver uma comunicação mais forte entre os produtores, com troca mais intensa de informações, o que não ocorria no passado. E o produtor ficou mais atento”, constata ele.
Entre fevereiro e maio, os preços médios da arroba caíram de quase R$ 145 para R$ 136, numa retração de praticamente 6,2%. Nos dois meses seguintes, o indicador Cepea para os preços da arroba sofreu queda de mais 8,5%, para R$ 124,50, consolidando um tombo de 16,6% a partir de dezembro do ano passado. Alguma reação já se vislumbrava nas semanas finais de julho, quando o valor pago à vista pela arroba passou a superar R$ 125, num movimento que ganharia mais fôlego ao longo de agosto.
No dia 25 do mês passado, ainda de acordo com o Cepea, a arroba atingiu R$ 139,57 e subiu 11,2% em relação ao fechamento de julho. Na média de agosto, até o dia 25, os valores recebidos pelos produtores ainda estavam 12,4% mais baixos do que a média registrada no mesmo mês do ano passado. “A partir de meados de julho”, observa Andrade, “o mercado começou a observar uma inversão na tendência de queda e o início de uma recuperação das perdas acumuladas nos últimos meses, mas não vamos ver valores acima dos níveis de 2016 porque a pecuária está em seu ciclo de baixa”. Velloso resume a reação observada nos preços: “Havia uma oferta maior do que a demanda e, atualmente, a demanda já é maior do que a oferta”.
De fato, corrobora o Cepea, a oferta de animais para abates mantinha-se “restrita” nas regiões pesquisadas pelo centro de estudos. A variação observada até aquela altura do mês foi a maior registrada em agosto em 21 anos, sempre em relação a julho. Na média do período, se considerado também 2017, a alta limitou-se a 1,56%. No ano passado, na passagem de julho para agosto, o valor médio da arroba havia encolhido 3,17%.
Uma parte da explicação para as altas recentes nos preços da arroba, na análise do Cepea, está na retomada das compras pela “principal indústria” do setor (ou seja, pela JBS) na reabertura de outras plantas nos últimos meses, o que aumentou a competição entre frigoríficos e tem dificultado o fechamento de escalas de abate num momento de entressafra, quando a oferta normalmente torna-se mais restrita. Além desses fatores, o Cepea acredita que a escassez de bois neste momento pode ser ainda um reflexo tardio das delações dos controladores do grupo JBS, divulgadas em meados de maio.
Na sequência, a queda nos preços pegou os pecuaristas “no momento em que planejavam o primeiro giro do confinamento”, levando a uma redução no número de animais que deveriam ter sido conduzidos para o abate justamente em agosto. Os especialistas do Cepea mencionam ainda o prolongamento as chuvas até meados de junho em algumas regiões produtivas, permitindo que alguns confinamentos fossem iniciados mais tarde, o que significa que esses bois somente deverão chegar ao mercado por volta de setembro.
Avanços, apesar dos Estados Unidos
As exportações ensaiaram igualmente uma reação em julho, o que reduziu a queda acumulada no ano quando são considerados os volumes embarcados pelo País. No primeiro semestre, com vendas próximas a 652,0 mil toneladas, as exportações apresentam redução de 8,5% em relação ao primeiro semestre do ano passado. Com o salto de 22,9% em julho, sempre na comparação com igual período de 2016, o volume total exportado passou a registrar redução de 4,5% entre janeiro a julho deste ano diante de igual intervalo do ano passado, saindo de 817,1 mil para 780,1 mil toneladas.
Em valor, a perda de 3,4% nos primeiros seis meses do ano foi zerada e as exportações passaram a crescer 1,1%, de 3,134 bilhões para 3,168 bilhões de dólares, impulsionadas pela alta de 5,9% no valor médio da tonelada embarcada. O crescimento foi puxado pelo avanço de 3,1% nas exportações de carne in natura, que subiram de 2,546 bilhões para 2,624 bilhões de dólares, refletindo uma elevação de quase 7% nos preços médios de venda. O volume de carne fresca exportada pelo País, no entanto, caiu 3,6% (de 654,2 mil para 630,3 mil toneladas). Pelo lado positivo, a redução foi menos intensa do que o tombo de 8,3% acumulado no primeiro semestre.
Somadas, as exportações para a China e Hong Kong subiram 15,2% no acumulado de janeiro a julho, subindo de 998,57 milhões para 1,151 bilhão. A participação conjunta daqueles dois destinos foi elevada de 31,87% em 2016 para 36,30% neste ano. Na contramão, com o bloqueio em junho, as exportações de carne in natura para os Estados Unidos, que vinham numa média mensal de 2,24 mil toneladas, desabaram para apenas 27,0 toneladas em julho.
Confinamento tende a se recuperar
O total de animais em regime de confinamento deverá crescer neste ano em torno de 7% a 8% frente ao ano passado e a expectativa do setor sugere que o rebanho confinado supere 3,2 milhões de cabeças neste segundo semestre, de acordo com o gerente técnico da Assocon, Bruno Andrade. A projeção leva em conta o mapeamento de algo em torno de 1,4 mil confinamentos, concentrados em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
A equipe da Agroconsult, que acaba de concluir o Rally da Pecuária, uma verdadeira maratona técnica que percorreu 68,4 mil quilômetros e 11 Estados para avaliar a evolução e as condições atuais da bovinocultura no País, trabalha com números maiores, mas não comparáveis com os da Assocon, embora apontem a mesma tendência. Na expectativa da consultoria, o número de bovinos terminados em confinamentos, “boiteis” e em semiconfinamento, com terminação intensiva a pasto, deverá voltar a superar as 5,0 milhões de cabeças, praticamente retomando os níveis observados em 2015.
Trata-se de um cenário mais animador do que aquele projetado no primeiro semestre. Entre outros fatores, a redução nos custos do milho, com preços 32% mais baixos neste ano, em média, conforme a consultoria, e ainda a baixa nos preços dos animais de reposição, complementa Andrade, tornaram a atividade mais atrativa, especialmente para o segundo giro dos confinamentos. “Até junho, o cenário era de tragédia, mas mudou completamente”, afirma Maurício Palma Nogueira, diretor da Agroconsult e coordenador da expedição.
Na amostra pesquisada durante o rally, a consultoria registrou um avanço de pouco mais de 5% no total de animais a serem destinados a confinamento, saindo de 442,2 mil para 465,4 mil cabeças entre 2016 e este ano. A capacidade estática dos confinamentos, no entanto, cresceu mais fortemente, avançando de 385,9 mil para 442,9 mil animais (ou seja, 14,8% a mais), o que parece sugerir uma disposição inicial maior para a terminação intensiva.
A rentabilidade dessa modalidade de engorda, retoma Andrade, experimentou melhora em relação ao ano passado, principalmente em função da redução nos custos de reposição, de tratamento e de nutrição dos animais. Nas simulações mais recentes da Assocon, realizadas em agosto, a margem operacional tenderá a subir de R$ 80 em 2016 para algo próximo a R$ 95 por animal, num incremento de 18,7%. “Isso corresponde a pouco menos de uma arroba de retorno por animal, em média, o que é uma rentabilidade interessante, mas não deverá necessariamente estimular um crescimento mais expressivo do confinamento”, pondera o gerente da Assocon. A questão, no caso, é que a recomposição das margens operacionais veio um tanto tardia. “Já estamos em agosto e a janela para os confinamentos vai de maio até o final de julho”, complementa Andrade.
Numa visão de prazo mais longo, Nogueira acredita que a terminação intensiva, seja no sistema mais tradicional, seja em combinação com uso de pastagens estrategicamente preservadas para receber o gado na época da seca, tenderá ser um sistema a cada temporada mais relevante. “Cada vez mais temos a certeza de que o gado brasileiro será criado no pasto, mas terminado com grãos. Seria um desperdício não terminá-los assim com o volume de produção das últimas safras”, afirma ele.
Fonte da Notícia
Revista Safra