Se o pecuarista brasileiro produzisse a mesma quantidade de carne de 2020 usando o pacote tecnológico de 1990, seria necessário desmatar outros 280 milhões de hectares para atingir o mesmo volume
Por Maurício Palma Nogueira
O preconceito em relação à produção pecuária é tão arraigado que parte da sociedade não consegue enxergar o nível que atinge. Enquanto todas as profissões são tratadas com o mínimo de respeito, os dias reservados à homenagem à pecuária e ao pecuarista foram motivos de ataque por meio do artigo intitulado “Contradições no Dia Nacional da Pecuária”.
Trata-se de um articulista com espaço em um dos jornais mais lidos do país.
Depois de citar falas de ex-ministros, da atual ministra e de instituições de ensino e pesquisa, o articulista pergunta: “Se existe um aparente consenso, então por que raios ainda desmatamos tanto? Por que a devastação continua sendo financiada com recursos públicos (crédito com taxas subsidiadas, seguro rural, anistias, incentivos tributários)?”
A incoerência, segundo o autor, reside no fato de que há um consenso sobre a capacidade de produzir preservando o meio ambiente, embora a “turma da botina” (nas palavras dele) relute em colocá-la em prática.
Seu questionamento é um flagrante desinteresse em colocar em debate o ponto de vista da pecuária. Mesmo que discorde, ignorar que existe uma explicação diferente para as causas do desmatamento denota incapacidade argumentativa ou má fé na construção do texto.
O autor cita especialista que já coordenou debates enviesados, em que vozes discordantes da narrativa central acabam sendo caladas, omitidas. Só assim para se aventurar com afirmações desprovidas de quaisquer fundamentos como, como exemplo, “o principal vetor do desmatamento é a pecuária.”
É mentira!
Todos os pesquisadores ou empresas privadas que já estudaram de forma aprofundada a dinâmica do desmatamento chegaram a conclusões semelhantes. O que move o desmatamento é a especulação imobiliária, o comércio ilegal de madeiras e a aposta de que, no Brasil, o crime compensa. E o crime continuará compensando enquanto parte da sociedade insistir em mirar justamente naqueles que operam na legalidade, enfraquecendo o negócio formal e abrindo espaço para o mercado informal e, consequentemente, para operações ilegais.
É incrível que a obviedade de tal cenário não seja nem mesmo pauta de discussão entre os interessados em salvar a floresta. Parecem mais focados em atacar a produção de carne.
O autor reforça seu argumento listando o aumento do rebanho em municípios que registraram as maiores ocorrências de desmatamento nos últimos anos. É verdade que as áreas desmatadas transformam-se em pastagens que, consequentemente, receberão bovinos num segundo momento. É a alternativa mais viável aos operadores ilegais. Além da impossibilidade de contabilizar o número de cabeças, ou estimar por ferramentas modernas como o uso de imagens obtidas por satélites, o rebanho pode ser removido rapidamente, caso os fiscais cheguem até o local.
Essa relação, por si, não diz nada. É preciso analisar diversos outros fatores para compreender causa e consequência. Na figura 1 está o resumo do que ocorreu nos últimos 20 anos na Amazônia Legal. Os dados, resumidos na figura, comprovam que a pecuária não é o vetor de desmatamento.
É importante ressaltar que, apesar do desempenho no período, o desmatamento anual vem aumentando na região desde 2013. No entanto, em 2020 a área desmatada foi 8,3% menor do que a média anual dos últimos 20 anos. Os dados de desmatamento são do INPE, através do Prodes. O total está bem distante do tal recorde de desmatamento alardeado pelos adeptos da ciência do grito, aquela que intimida e não gosta muito de ser questionada.
Apesar da taxa média de desmatamento anual estar recuando, a área desmatada a partir de 2001 somou 23,7 milhões de hectares que, em tese, foram integralmente transformados em pastagens. Como a área de pastagens poderia recuar?
A explicação mais didática pode ser encontrada em outro dado do INPE, através do Terraclass. O acompanhamento da dinâmica das áreas possibilitava quantificar e qualificar o que vinha ocorrendo com as áreas abertas na região da Amazônia Legal. A partir dessa informação foi possível compreender o ritmo de regeneração da floresta.
Não se trata de uma recuperação intencional da vegetação natural, mas sim da consequência da degradação das pastagens. O produtor, descapitalizado, não consegue manter os pastos limpos e a área vai sendo tomada pelas plantas invasoras, num primeiro momento, e pelas diversas etapas de regeneração da composição florestal, nos momentos seguintes.
Somando o processo de regeneração com a área transferida para lavouras e reflorestamentos comerciais, os números mostram que a área líquida de pastagens se reduz, apesar do aumento do rebanho, da produção e das exportações nas proporções apresentadas na figura 1.
O pacote de acusações infundadas à pecuária continua no artigo ao citar que o setor pecuário recebeu R$ 12,3 bilhões/ano em crédito subvencionado, anistias e renúncias fiscais.
O estudo que chegou a tais números foi muito bem conduzido, mas cometeu um erro conceitual ao considerar dois recursos que não deveriam ser computados, justamente os mais expressivos, segundo as conclusões.
O primeiro é a desoneração da cesta básica, benefício concedido à população mais carente. O segundo é o Pronaf, cuja apropriação deveria ser adequadamente ponderada.
Um dos números mais preocupantes identificados pelo Censo 2017 está relacionado ao público-alvo do Pronaf. Esse público soma 76% do total dos estabelecimentos pecuários do Brasil e movimentou apenas 16% do total das vendas. Portanto, o peso deste benefício na produção é ínfimo, embora seja relevante às famílias necessitadas.
Por fim, o articulista pergunta: “o ‘basta aumentar a produtividade’ tem apoio de ações reais?”.
Se o pecuarista brasileiro produzisse a mesma quantidade de carne de 2020 usando o pacote tecnológico de 1990, seria necessário desmatar outros 280 milhões de hectares para atingir o mesmo volume.
Se tem ou não apoio por parte das políticas públicas, vale a discussão a partir de análises fundamentadas. Mas é fato que o aumento da produtividade vem ocorrendo por mérito e risco daquele profissional, cuja imagem o articulista se esforçou para macular, questionando os dias reservados a homenageá-lo.
Se tem uma contradição visivelmente exposta no texto é o ataque àqueles profissionais que estão agindo, na prática e no campo; enquanto outros discursam demagogicamente a partir de seus escritórios com ar-condicionado.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária