Os ruminantes sempre estiveram presentes, mesmo antes da revolução industrial. Somente o crescimento do rebanho poderia ser computado como responsável pelo aumento recente de emissões de gases, e mesmo assim considerando que em paralelo, o crescimento vegetal, alimento dos ruminantes, absorve gás carbônico.
Por Maurício Palma Nogueira (1), Pedro de Camargo Neto (2)
Tem sentido a pecuária pagar o custo das emissões de um carbono já emitido?
Indiscutível que a terra passa por mudanças climáticas. Não parece haver dúvida que essas preocupantes mudanças são causadas pela ação do homem, que podem ocorrer rapidamente, e com graves consequências. Não há discordância que ocorreram e continuam ocorrendo partir da queima de combustíveis fósseis, processo acelerado a partir da revolução industrial.
Indiscutível também que o desmatamento produz emissões de gás carbônico, assim como a regeneração vegetal produz o inverso. Culpar a pecuária por isso é um ponto a ser debatido. O Código Florestal, legislação aprovada em 2012, pretende oferecer um ordenamento para essa questão. Infelizmente até hoje não conseguiu ser implementada na plenitude. Quando isso ocorrer produzirá efeitos positivos na regeneração vegetal e controle do desmatamento.
Infelizmente o garimpo ilegal destrói as instituições locais, a extração madeireira ilegal derruba a floresta, o grileiro ocupa o solo, joga uma semente, chega o boi. É simplismo culpar a pecuária, independentemente de onde estejam. A fragilidade dos poderes públicos Federal, Estadual e Municipal que pouco ou nada fazem para impor a Lei, precisa ser destacada, responsabilidade de toda a sociedade, não somente do pecuarista.
A recente conferência sobre o clima COP26 realizada em Glasgow produziu inúmeros acordos sendo um deles sobre metas de redução do gás metano, importante no efeito estufa. Os ruminantes em seu processo digestivo produzem metano. O ciclo de vida do metano é curto, exigindo visão e métrica diferente ao das emissões dos combustíveis fosseis, que esses sim, permanecem na atmosfera quase que de maneira permanente exigindo mudanças.
Por ocasião da Conferência em Kyoto em 1997 no sentido de fixar metas que pudessem ser utilizadas para os diversos gás de efeito estufa, foi acordado criar uma unidade chamada “GWP 100 CO2-equivalent”. A intenção foi ao estabelecer metas para a redução oferecer uma certa equivalência entre eles.
Os potenciais impactos climáticos são muito diferentes para CO2, gás carbônico, e CH4, metano. Sob o GWP100, um kg de CH4 teria o mesmo efeito GWP que 23 kg de CO2 ao longo de 100 anos. Para este cálculo, assumiu-se que o CH4 permanece na atmosfera por 12 anos, durante os quais inicialmente tem 120 vezes o poder do CO2, que então diminui rapidamente à medida que o metano decai. O horizonte de 100 anos foi uma escolha arbitrária para o protocolo de Kyoto. Tivessem escolhido um horizonte de 20 anos a equivalência de CO2 seria muito maior, e, em um horizonte de 500 anos muito menor.
Simplificar questões complexas faz parte de muitos processos de análise. É preciso, porém, sempre reconhecer a existência dos critérios de simplificação e não aceitar o resultado da simplificação como exato.
A própria avaliação do tempo que o metano permanece na atmosfera é extremamente sujeita a críticas. Cabe também separar entre os metanos que estão sendo emitidos. Uma coisa são os ruminantes que sempre estiveram presentes em maior ou menor número na terra. Outra são os escapes de gás muitas vezes resultados de erros e acidentes em processos de extração de gás e óleo.
Os ruminantes sempre estiveram presentes, mesmo antes da revolução industrial. Somente o crescimento do rebanho poderia ser computado como responsável pelo aumento recente de emissões de gases, e mesmo assim considerando que em paralelo, o crescimento vegetal, alimento dos ruminantes, absorve gás carbônico. Aumentos de produtividade dos rebanhos tem produzido mais alimento, com o mesmo número de animais, não devem ser ignorados.
As evidências científicas que existem apontam para o contrário – que a pecuária é um fator estabilizador para o clima e o ambiente ecológico em que nós, como espécie humana, vivemos e prosperamos.
As declarações sobre os efeitos nocivos da pecuária para o clima são, sem exceção, baseadas apenas em modelos matemáticos, cujas variáveis são geralmente suposições e simplificações e que contradizem as evidências medidas, além de desafiar a experiência histórica. O fato de essas declarações serem repetidas com frequência e recebidas como verdade no discurso público não as substâncias por si só – e não altera a ausência de evidências reais.
O posicionamento do Brasil tem defendido o setor da pecuária na questão dos GEE, gases efeito estufa, apresentando corretamente a característica regenerativa do setor. A modernização do setor incluindo a reforma de pastagens degradadas e crescimento da chamada ILPF, integração dos setores pecuária, lavoura e floresta, compensaria as emissões de GEE, basicamente o metano das emissões entéricas dos bovinos.
Parece-nos, porém, importante destacar dois importantes equívocos ou falhas na apresentação dos números.
O primeiro é nunca apresentarem em separado o que consideram como emissão de GEE -metano – a ser compensado pela absorção de GEE – gás carbônico – através do processo de regeneração vegetal. É uma soma com critérios dissonantes. O segundo é o cálculo utilizado nas emissões de metano. Como o ciclo de vida do metano na atmosfera e reduzido, assumido em 12 anos, tempo irrelevante em relação ao do gás carbônico, seus impactos climáticos potenciais são totalmente diferentes.
Mesmo aceitando todas as premissas superestimadas para o efeito da pecuária no ambiente, seria preciso recalcular o peso da pecuária nas emissões globais. O passivo da pecuária apresentado hoje inclui as emissões de todo o rebanho quando, na verdade, deveria considerar apenas as emissões do rebanho acrescido. Afinal de contas, o aumento das emissões que impactaria mudanças climáticas ocorreria apenas a partir do acréscimo de cabeças no rebanho, não levando em conta os animais que já estavam emitindo no início da análise. Um rebanho estável não amplia emissões considerando que o metano em seu curto ciclo retorna ao solo.
Analisando o período de 1990 a 2020, o rebanho mundial de bovinos, com base em números compilados a partir da FAO, USDA e IBGE (para o Brasil) aumentou 230 milhões de cabeças, o equivalente a 16,2% em 30 anos. No Brasil, com os dados compilados a partir do censo agropecuário, da pesquisa pecuária municipal e trimestral, todos do IBGE, conclui-se que, nesse período, o rebanho aumentou 44 milhões de cabeças, o equivalente a 29,7% nos mesmos 30 anos.
É sobre essa variação que deveriam ser computados os acréscimos da contribuição da pecuária em relação às emissões entéricas. Assim, globalmente, nesse período, as emissões da pecuária são apenas 16% do divulgado pelos institutos. No caso do Brasil, a contribuição com o aumento nas emissões seria apenas 30% do que normalmente é divulgado, considerando os últimos 30 anos.
Antes que conclusões precipitadas sejam elaboradas a partir dessa análise, é preciso considerar outra variável. O objetivo da pecuária é o produto e não o estoque. Sendo assim, o que interessa é a produção de carne e outros produtos.
No mesmo período a produção global de carne aumentou 28%, evidenciando que a pegada de carbono da pecuária tem melhorado ao longo dos anos. Entre 1990 e 2020, o rebanho cresceu a uma taxa média de 0,5% ao ano, enquanto a produção mundial cresceu a uma taxa de 0,82% ao ano.
No Brasil, o desempenho é ainda melhor. A produção aumentou 145%, atingindo a incrível taxa de 3% ao ano no crescimento de produção de carne, enquanto o rebanho aumentou 0,87% ao ano. E, infelizmente, estamos ainda bem longe do potencial de produção do Brasil. O perfil dos produtores entrevistados pelo Rally da Pecuária, expedição que percorre anualmente as principais regiões produtoras, atinge produtividades médias 2,5 vezes acima da produtividade média nacional. E o ritmo de aumento no desempenho é cerca de 4,5 vezes maior que a elevação anual na produtividade média da pecuária.
O setor produtivo não terá nenhum problema em atingir as metas ambientais, desde que sejam estabelecidas com base em critérios técnicos, considerando toda a dimensão do conhecimento científico. Em termos práticos, a pecuária só emite um carbono que já estava na atmosfera. E, mesmo assim, entrega cada vez mais carne, leite e outros produtos a partir das mesmas emissões.
1 Sócio-diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
2 Produtor e liderança rural
Fonte: Revista Agroanalysis, FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS | VOL. 42 | Nº 03 | MARÇO 2022 | páginas 18 e 19