Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
Com a proximidade da COP 30, a ser realizada em Belém, muito tem se discutido a necessidade de modernizar a produção agropecuária no Brasil, com críticas às diversas práticas adotadas a partir a revolução verde, iniciada nos anos 1940 e 1950. Em tese, a produção brasileira, equivocadamente considerada convencional, deveria transformar os sistemas produtivos em modelos considerados regenerativos.
No entanto, essa transformação se iniciou há, pelo menos, três décadas.
A maior parte dos produtos agropecuários são originados em sistemas que usam técnicas como a rotação de culturas, cobertura permanente do solo, plantio direto, cultivo mínimo, integração entre lavouras e pecuária, sistemas silvo pastoris, uso crescente de bioinsumos etc.
A agricultura anual brasileira opera cerca de 42 milhões de hectares de plantio direto, plantando duas ou mais safras na mesma área a cada ano. Há ainda outros 17,5 milhões de hectares conduzidos em integração com pecuária, seja nos diversos sistemas planejados ou na simples reforma de pastagens com uso de agricultura.
No caso das pastagens exclusivas, sem integração, existem, no mínimo, 50 milhões de hectares acumulando carbono em proporções que superam em mais de duas vezes o emitido pelos bovinos na área.
Grande parte das piores áreas de pasto vem sendo substituída por outras culturas, como ocorre com o avanço do eucalipto no estado do Mato Grosso do Sul. Ao mesmo tempo que outras atividades substituem pastagens, a pecuária não cede, crescendo verticalmente e atingindo recordes de produtividade. Mesmo com tanto pasto em degradação, a parcela mais produtiva é suficiente para garantir que a produção pecuária seja cada vez maior, ocupando área cada vez menor.
Também houve avanços significativos nas culturas da cana-de-açúcar, fruticultura, cafeicultura, florestas, horticultura etc. As técnicas envolvem manejo de solo, manejo integrado de pragas, doenças e de plantas invasoras, insumos biológicos, irrigação e operações mecanizadas de precisão entre outras.
Os modelos de produção com técnicas conservacionistas modernas já ocupam mais de 50% dos 247 milhões de hectares efetivamente usados para produzir. Não se tratam de alguns exemplos, casos ou poucas fazendas visionárias. Essa é a regra da agropecuária brasileira.
Figura 1. Áreas efetivas usadas pela agropecuária com adoção de tecnologias melhor adaptadas ao clima tropical

Ainda assim, metade da área não é conduzida com as mesmas técnicas conservacionistas. Isso ocorre porque os proprietários não foram sensibilizados ou não tiveram condições financeiras para sair de um sistema antiquado e aderir a um mais moderno de produção. Os que não se adequarem nos próximos anos serão excluídos do campo. Infelizmente, a maioria deles está na pecuária.
A construção dessa produção sustentável no Brasil foi catalisada no início dos anos 1990, com a abertura e desregulamentação do mercado seguida pela consolidação do Plano Real. Foi naquele momento que a revolução verde brasileira tomou um rumo completamente diferente do realizado no mundo.
Mesmo modernizando cerca de metade da área disponível, os ganhos não foram pequenos. Somando todas as atividades vegetais e animais da agropecuária brasileira, em 1991 cada hectare rendia 1,4 tonelada por ano. Em 2024, cada hectare gerou 5,3 toneladas de produtos, um avanço de 279% no período ou de 4,1% ao ano.
Há quem aponte queda no ritmo de aumento da produtividade nos últimos anos – o que de fato ocorreu – e defenda a necessidade de uma nova revolução. No entanto, é preciso entender que o ritmo atual, em torno de 2% ao ano desde 2020, ocorre sobre um desempenho médio três vezes maior do que aquele do início dos anos 1990.
O que aconteceria se as práticas modernas de produção fossem adotadas nos outros 120 milhões de hectares que ainda não aderiram?
É importante entender que o que falta no agro é criar condições para que os inúmeros pequenos produtores, proprietários de cerca de metade da área disponível, se modernizem. Inclusão! Esse é o desafio.
A revolução do agro começou há pelo menos 35 anos e continua em andamento, orientada pela ciência especializada e pelo dinamismo da iniciativa privada.
Resta ainda discutir outro ponto. Apesar do aumento gradual no uso de bioinsumos, e na adoção de economia circular nas propriedades rurais, o ritmo de implementação frustra as expectativas dos entusiastas. No entanto, por mais que haja viabilidade técnica de substituir insumos industrializados por produtos naturais, não se trata de algo banal, facilmente aplicável. É essencial considerar a disponibilidade e a logística envolvida nas operações.
No caso da fertilização, por exemplo, tanto as plantas como a manutenção da saúde do solo demandam certo nível de nutriente, que precisará ser aplicado.
Se o produtor optar por substituir um produto com 20% de determinado nutriente por outro que contenha 1% do mesmo nutriente, a dose precisará ser 20 vezes maior. Ou seja, ao invés de aplicar 300 kg por hectare, por exemplo, será necessário aplicar seis toneladas. Sendo assim, a substituição deverá levar em conta o custo total e o balanço energético necessários para transportar e aplicar a quantidade ideal que garanta a dose correta, impactando diretamente o desempenho financeiro e ambiental da operação. Se as doses forem menores, a produtividade será comprometida.
É o mesmo raciocínio sobre os insumos para proteção das culturas. O ambiente tropical reúne desafios como doenças, plantas indesejáveis (invasoras) e pragas. Sem tratos culturais adequados, a colheita será comprometida, o que exigirá maior área para produzir a mesma quantidade. A expectativa de que os produtos industriais sejam substituídos pelo controle biológico precisa ser acompanhada do pragmatismo e do conhecimento gerado pela ciência. Fala-se sobre a importância da ciência em gerar técnicas que protejam os cultivares. Mas quando a ciência responde que a alternativa mais viável é por meio de produtos industriais, os entusiastas sugerem que a ciência mude para que os resultados se adaptem às suas expectativas. É um contrassenso.
Outra ironia relacionada a esse debate envolve justamente o estímulo à pesquisa e inovação. Se fosse mais fácil registrar novos produtos para proteção de cultivos, é bem provável que estaríamos mais avançados em relação à disponibilidade soluções biológicas. O avanço é lento porque não há estímulo para inovação no mercado. E, geralmente, os que mais defendem o uso de insumos de origem biológica são os primeiros a se posicionarem contra a liberação de novos produtos para a defesa de cultivares.
Além de todo o desempenho da área em produção, há outra característica a ser lembrada. Segundo a Embrapa Territorial, os imóveis rurais brasileiros conservam área ainda maior do que a usada para a produção. São cerca de 280 milhões de hectares de reserva legal, área de preservação permanente e área florestal preservada que superam o exigido por lei.
Mesmo que ainda tenha muito a melhorar, segundo os padrões brasileiros, a tecnologia de produção tropical desenvolvida em nossas terras é um exemplo para a humanidade. Além de incluir os que estão ficando marginalizados, o outro desafio é exportar essa tecnologia para países que possam replicá-la.
Não é o agro que precisa de uma nova revolução. É a sociedade mundial que precisa de uma revolução proporcional à conduzida pelo agro brasileiro.