Depois de sofrerem para adquirir gado bovino no ano passado, os frigoríficos brasileiros iniciaram 2015 ao sabor de uma espécie de “tempestade perfeita”. Além de não contarem com qualquer trégua dos preços do boi gordo, que permanece em patamar recorde, as empresas enfrentam demanda mais fraca no mercado doméstico e em importantes países importadores como Rússia e Venezuela, o que fez suas margens caírem ao menor patamar desde 2008.
Não bastasse isso, os frigoríficos, em especial os pequenos e médios, também convivem com dificuldades para obter crédito. Diante da combinação desses fatores negativos está em curso um movimento de redução ‘forçada’ da capacidade de abate, com fechamento de unidades, férias coletivas e demissões.
“Se a arroba do boi gordo continuar como está hoje no mercado físico, é suficiente para tirar muito frigorífico do mercado”, avalia o coordenador da área de pecuária da Agroconsult, Maurício Nogueira, salientando que já há casos de frigoríficos que apresentam margens negativas, em especial entre os que não exportam. Mesmo entre frigoríficos que acessam o mercado externo, há exemplos de margem no vermelho, apurou o Valor.
Negativas ou não, as margens estão em níveis baixíssimos. Levantamento realizado pela Agroconsult aponta que, em março, a margem bruta dos frigoríficos foi de 1,99%. Trata-se do pior nível desde julho de 2008, quando as margens ficaram negativas em 5,53%. O cálculo da consultoria para a margem bruta considera a diferença entre o preço do boi gordo no Estado de São Paulo – balizador dos preços no país – e da carne desossada no atacado paulista, principal mercado consumidor.
Para Nogueira, a compressão de margens reflete, de um lado, as cotações recorde do boi gordo. Conforme o indicador Cepea/Esalq para, a arroba do animal em São Paulo foi negociada a uma média de R$ 148,70, alta de 16,5% na comparação com a média de R$ 127,58 vista em março do ano passado. No acumulado do ano, o preço do boi gordo subiu 1,28% em São Paulo.
Do outro lado, está a fraca demanda, especialmente neste ano. Entre janeiro e março, o preço da carcaça bovina vendida no atacado paulista caiu 1,2%, de acordo com a Agroconsult. O preço dos cortes desossados caiu mais, 2%. Essa queda no atacado não foi repassada ao consumidor, que viu um aumento de 0,76% nos preços médios dos cortes no varejo.
De acordo com Nogueira, a oferta de boi deve continuar restrita na maior parte do ano, ainda que com melhoras pontuais, o que dificulta a vida dos frigoríficos. “Já podemos dizer que a oferta não vai ser suficiente para atender a demanda”.
Essa opinião é compartilhada pelo analista do Rabobank Adolfo Fontes. “Houve uma redução da oferta de gado que puxou os preços e isso deve continuar daqui para frente”, diz, citando a necessidade de recompor o rebanho após anos de forte aumento dos abates. Nesse sentido, a redução de 1,5% nos abates de bovinos em 2014 apontada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmou a fase de retenção de animais do ciclo pecuário.
Se a oferta de gado não ajuda, 2015 é, por ora, também motivo de lamentações do lado da demanda por carne bovina. No mercado interno, o preço da carne já está muito alto e o consumidor, que também lida com uma inflação elevada, vem optando por comer mais carne de frango. “Muitos relatórios mostram que no ano passado houve substituição para a frango. Não deve ser diferente neste ano”, projeta Fontes.
Tida como tábua de salvação dos frigoríficos, as exportações – mesmo que beneficiadas pela desvalorização do real – iniciaram o ano sofrendo os efeitos da queda dos preços do petróleo que atingiu alguns dos principais importadores do Brasil: Rússia, Venezuela, especialmente. Conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as vendas de carne resfriada e congelada caíram para a Rússia caíram 65,6% em receita e 58,9% em volume nos primeiros dois meses de 2015. No caso da Venezuela, a queda foi de 48% em receita e 50,1% em volume.
Respectivamente segundo e quarto maior comprador da carne bovina brasileira em receita, Rússia e Venezuela foram responsáveis por um terço da receita de US$ 7,2 bilhões obtida pelo Brasil com as exportações em 2014, conforme dados da Abiec
Líder nas importações da carne brasileira, Hong Kong até elevou as compras do produto – 1,46% em receita e 5,7% em volume -, mas isso não compensou a queda nos outros países. De acordo com uma fonte de uma grande empresa exportadora, as vendas para Hong Kong foram atrapalhadas por uma movimento de combate à triangulação de carne feito pela China, que está próxima de reabrir seu mercado para o Brasil. No setor, sabe-se que grande parte da carne importada por Hong Kong é consumida na China continental.
Para os próximos meses, há alguma expectativa de melhora, sobretudo na Rússia. Ainda que seja difícil precisar o nível de preço que os russos aceitarão – a moeda russa também sofreu forte depreciação -, os estoques de carne bovina dos russos estão se esgotando e o país terá de ampliar suas compras.
Mesmo com alguma melhora, o cenário de margens pressionadas continua e terá consequências. Para analistas, a fase crítica tende a resultar em maior concentração de mercado, o que pode favorecer o interesse de investidores chineses e de empresários como José Batista Júnior, o Júnior Friboi. Júnior, que voltou ao setor com a compra do frigorífico Mataboi no início do ano, admitiu ao Valor que “posso até comprar”, mas garantiu não estar olhando nenhuma empresa neste momento.
“A tendência é que o mercado esteja mais concentrado quando esse ciclo acabar”, afirma o operador da mesa de futuros do BESI Brasil, Leandro Bovo. Essa avaliação é corroborada por Luciano Pascom, vice-presidente do Frigol, frigorífico em recuperação judicial que faturou cerca de R$ 1 bilhão em 2014. “Acho que vai haver um rearranjo de companhias e vamos ter menos empresas no fim do ano”. De certa maneira, isso está ocorrendo. Empresas como Frigol e Fialto reduziram os abates e, no caso da primeira, funcionários que pediram demissão não foram repostos, afirmou Pascom. Recentemente, dois frigoríficos pequenos de Mato Grosso do Sul fecharam as portes e, mesmo entres grandes, já houve casos de férias coletivas.
(Colaborou Alda do Amaral Rocha)Fonte da NotíciaValor Econômico