Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
Em 2024, a pecuária brasileira vai registrar a maior exportação de sua história, superando entre 15% e 20% o total embarcado em 2023, recorde até então. O Brasil responderá por 32% da carne bovina ofertada para comercialização no mercado internacional.
E o consumidor interno não ficará na mão. Até o momento, os indicadores mostram aumento da disponibilidade de carne bovina em 1,5 milhão de toneladas, o equivalente a 5,3 kg a mais para cada habitante do Brasil.
Será a maior disponibilidade per capita de carne bovina já registrada, atingindo 34,6 kg por habitante no mercado formal, que passou por fiscalização, e entre 42 e 43 kg, quando se considera toda a produção, incluindo os animais abatidos para o consumo das famílias que moram nas fazendas. É uma quebra de paradigma para aqueles que acreditam que exportações competem com o mercado interno.
Os atuais recordes de produção foram construídos a partir de estímulos gerados pelo rápido aumento nas exportações de carne a partir de 2019, especialmente para atender ao mercado chinês, que passou a demandar maiores quantidades de carne bovina brasileira.
Um outro fator preponderante é que os chineses só compram carne de machos com até aproximadamente 30 meses de idade. Essa exigência, em escala, provocou uma aceleração no processo de intensificação da pecuária brasileira.
O produtor precisou correr para melhorar todos os indicadores de produtividade, ofertando os animais de acordo com o padrão exigido. E mesmo numa atividade de ciclo longo, como é a produção de bovinos, o setor se adaptou para atender a demanda em pouco tempo.
A partir de um olhar criterioso, pode-se dizer que a exigência da China, aliada à capacidade de resposta da pecuária brasileira, fez mais pela agenda ESG (Environmental, Social and Governance) do que a soma de todas as exigências europeias e propostas elaboradas por organizações ambientalistas. Ações sempre dizem mais do que discursos.
Tanto é que, recentemente, uma ONG atuante na pecuária elencou um conjunto de metas estratégicas até 2035 sem perceber que parte dessas metas, relacionadas à pecuária, já foi superada em algum momento entre 2021 e 2024. A velocidade de adoção de tecnologias no campo está sendo mais rápida do que a interpretação das estatísticas disponíveis. Para compreender essa dinâmica, é preciso se aproximar de quem produz ou, ao menos, escutar aqueles que estão acompanhando a produção.
Apesar do ganho mais acentuado nos últimos anos, o avanço do pacote tecnológico vem acontecendo desde meados dos anos 1990, a partir da consolidação do Real. Desde então, produtores vem lutando para se adaptar à nova realidade do mercado, que exige produtividade dos ativos em padrões de compliance cada vez mais rigorosos.
A esperada produção total de 11,7 milhões de toneladas de carcaça, em 2024, acontecerá em 161,2 milhões de hectares, o que já inclui ao menos 13,5 milhões de hectares em integração com lavouras ou florestas. Na média dos anos 1990, a pecuária produzia, anualmente, 4,96 milhões de toneladas ocupando cerca de 187 milhões de hectares de pastagens.
Considerando os dados censitários, avanço da agricultura, do desmatamento e das áreas que iniciaram o processo involuntário de regeneração (pós-degradação), a atual área de pastagem é cerca de 14% menor em relação à média dos anos 1990. Com isso, a produtividade atual, na comparação com a referida década, é 174% maior.
O rebanho, por outro lado, é apenas 28% superior na mesma comparação, evidenciando que a pegada ambiental por quilograma de carne produzida vem caindo consistentemente.
Apesar de todas as evidências de melhorias que ocorrem há anos, a pecuária continua sendo alvo constante de críticas do ambientalismo profissional e de articulistas influentes, engajados em questões relacionadas à agenda ESG.
Alguns, mesmo sem conhecer as particularidades da produção tropical, recomendam sistemas de produção para melhorar a produtividade da pecuária. No entanto, desconsideram a dinâmica econômica de implementação dos modelos de maior aporte tecnológico.
Provavelmente embasam seus raciocínios a partir de análises superficiais sobre indicadores médios da produção. Mesmo com todos os ganhos dos últimos anos, a média da produtividade na pecuária é extremamente baixa, consequência da área ocupada e da quantidade de produtores que operam, de alguma forma, na atividade.
No entanto, a média é um conceito matemático. Apesar da consistência dos cálculos, a média serve apenas como referência, nunca como base para recomendar ações.
Para tanto, é preciso compreender como os produtores se comportam em relação à atividade. Com base em pesquisas de campo e na análise detalhada dos dados censitários do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estima-se que o Índice de Gini da produção pecuária esteja entre 0,75 e 0,8.
O Índice de Gini é uma medida que quantifica a concentração de um determinado grupo, variando de 0 (distribuição perfeitamente igual) a 1 (concentração máxima, em que toda a produção está nas mãos de um único indivíduo). A proporção de produtores viáveis, portanto, está respondendo por fatias cada vez maiores na oferta de carne bovina.
Defender sistemas de produção que elevam a média da pecuária, como se as condições fossem igualmente distribuídas entre todos, contraria a própria dinâmica do mercado. Em termos de agenda ESG, o desafio da pecuária não está nas questões ambientais, e sim nas questões sociais.
Usando a mesma base do cálculo do Índice de Gini, é possível estimar que entre 50 milhões e 60 milhões de hectares de pastagens estejam ociosos, mantendo rebanhos de baixa produtividade, com nível tecnológico próximo ao extrativismo. Praticamente não geram renda.
É exatamente nesse grupo, sem aporte tecnológico algum, que se enquadram os casos relacionados ao desmatamento ilegal. Ou são pequenas propriedades que anualmente avançam em áreas de abertura até que, em determinado momento, acabam aparecendo nas estatísticas de desmatamento; ou são aqueles operadores que deliberadamente avançam sobre áreas que deveriam ser preservadas, usando pastagens e rebanho simplesmente para garantir a posse de uma área ilegal. Não se movimentam em harmonia com a cadeia produtiva.
Sendo assim, a resposta que precisa ser encontrada não é como produzir carne com sustentabilidade. A ciência especializada já apontou os caminhos. E o setor está percorrendo com velocidades crescentes.
O que precisamos responder é como evitar, ou minimizar, o impacto causado às inúmeras famílias que já foram, ou estão sendo excluídas do processo. Aí sim, na pecuária, começaremos a tratar o tema com a devida seriedade.