Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o consultor de grandes empresas da cadeia produtiva da carne Maurício Palma Nogueira diz por que acredita em boas perspectivas de melhora na receita dos pecuaristas já no próximo ano, mas alerta que prazos para rastrear fornecedores indiretos dificilmente serão cumpridos.
Com mais de 25 anos de experiência na pecuária, o engenheiro agrônomo Maurício Palma Nogueira, fundador da consultoria Athenagro, está acostumado com os altos e baixos do setor. Basta olhar os gráficos históricos para ter certeza de que os famosos “ciclos da pecuária” são absoluta realidade.
A oferta de animais para abate vai aumentando até que o valor pago pelos frigoríficos pela arroba do boi começa a cair de tal forma que desestimula os produtores rurais. O resultado é um abate de fêmeas maior e uma redução na oferta de bezerros o que, nos anos seguintes, já provoca uma retomada nas altas de preço, e assim por diante.
A situação costumava ser complexa por que, diferentemente da agricultura de grãos, por exemplo, não dá para aumentar e reduzir área plantada de forma tão rápida, ou seja, investir no aumento dos rebanhos é algo que leva um pouco mais de tempo.
Só que a pecuária não para de crescer em tecnologia e produtividade. E os pecuaristas estão cada vez mais atentos aos movimentos de mercado, adotando estratégias mais sofisticadas, que começam a mudar um pouco esta lógica, de ciclos tão longos, que costumavam ser de 6 a 7 anos.
“Antes o pecuarista tomava decisões praticamente definitivas, simplesmente decidia parar de criar bezerros porque mercado não estava bom”, explica Maurício Nogueira.
“Agora ele tem uma postura mais estratégica, abate as fêmeas mais velhas e dá atenção maior para as novilhas. Além disso, os pecuaristas estão fazendo o que poucas vezes eu vi no passado: aproveitar que o preço está baixo para investir, aumentar o rebanho”.
E realmente o preço estava baixo. No caso da arroba do boi, depois de atingir um recorde em 2021 no valor médio, corrigido pela inflação, de R$ 321, as cotações começaram a cair. Este ano o preço médio da arroba, segundo a Athenagro, está em R$ 252. Este valor, se comparado aos R$ 302 por arroba praticados em 2022, representou a maior queda da história da pecuária brasileira, considerado o período pós Plano Real.
A boa notícia é que, provavelmente, o ciclo já muda de direção a partir de 2024, nas projeções de Nogueira. A expectativa é de um aumento de 5% no preço médio da arroba no ano que vem e, para 2025, um novo salto, que poderá chegar a 15%.
São cenários que levam em conta uma demanda firme no mercado internacional, sem considerar nenhum percalço muito fora da curva.
As projeções do analista também consideram os levantamentos realizados, a cada ano, pelo “Rally da Pecuária“, expedição criada por Maurício Nogueira em 2011 que percorre as propriedades rurais e alcançou 22 mil pecuaristas, totalizando dados de um rebanho de 14,5 milhões de cabeças e 12 milhões de hectares de pastagens, com 2,3 mil técnicos em campo.
A preocupação de Nogueira, quando se trata das metas de sustentabilidade e rastreabilidade na cadeia produtiva da carne, são os prazos e ferramentas inadequadas que estão sendo adotadas por algumas empresas, ao serem impostas por pressão de ambientalistas.
Ele duvida que alguns destes prazos, no caso dos fornecedores indiretos, sejam cumpridos.
O diretor da Athenagro ressalta que não é a pecuária que faz o desmatamento e que os agentes ilegais, que deveriam estar sendo presos, já que podem ser identificados por imagens de satélite, apenas fazem a área desmatada “virar pecuária”.
Confira os principais destaques da entrevista de Maurício Nogueira ao AgFeed.
Fala-se muito dos “ciclos da pecuária”. O que exatamente ocorreu no setor em 2023?
Nós temos um movimento de ciclo pecuário. Você vem com um aumento de descarte de fêmeas, levando a um recorde de abate de matrizes. E depois do estímulo de 2019 nós tivemos também um aumento muito grande de desempenho das vacas. Passamos a gerar mais bezerros do que vinham sendo gerados em anos anteriores. Houve uma rejuvenescida no rebanho e o produtor parece ter adotado uma estratégia bem diferente neste ciclo pecuário novo, para lidar com este momento de baixa.
Qual foi essa estratégia?
Ele descartou muitas matrizes, mas segurou novilhas para substituir estas matrizes, já antecipando que haveria alta no preço dos bezerros. Provavelmente teremos uma mudança na forma como os ciclos pecuários vêm daqui para frente. Vamos ver se isso se confirma, mas estamos trabalhando num patamar de produtividade muito mais alto.
Houve outras mudanças neste perfil da atividade pecuária?
Tivemos uma limpeza dos animais intermediários nos anos de exportação para China. É interessante mencionar que nós vivemos tentando atender às demandas do mercado europeu em questões ambientais, só que a exigência da China fez muito mais do ponto de vista ambiental do que a exigência europeia. Eles pediram animais com dentição que não pode passar dos 30 meses e isso acelerou muito o nosso processo de terminação.
Que impacto isso trouxe?
O produtor continuou terminando animais mais pesados e cada vez mais jovens. Isso vai limpando o estoque do rebanho de animais mais velhos e também contribui para diminuir o que se chama de pressão de pastejo. Ou seja, estou colocando uma quantidade menor de peso de bovinos em cima da minha disponibilidade de pasto. Essa é uma mudança interessante na pecuária, que nos leva a pagar a conta neste ano porque temos um volume maior de animais para abater.
“Poucas vezes eu vi, como ocorreu agora, os pecuaristas aproveitarem o momento de baixa e fazer o que é o recomendado”
Provavelmente também teremos uma recuperação dos bezerros mais rápida. Poderemos ter ciclos mais frequentes. Não vai mudar muito porque é uma atividade de ciclo longo, mas serão oscilações menores. Se houver um novo boom de exportação ou de consumo no mercado interno, isso causa um novo estímulo à produção. Aparentemente, estamos com um mercado com mais previsibilidade do ponto de vista tecnológico.
Qual era o padrão anterior dos ciclos pecuários?
Em anos anteriores o pecuarista tomava decisões praticamente definitivas. Decidia parar de criar bezerros, por exemplo, porque o mercado não estava bom. Ele desanimava e passava a comprar animais. Hoje não, aparentemente o que o pecuarista fez foi algo mais estratégico. Eu tiro as mais velhas, que estão com carga genética mais antiga e dou atenção maior para as novilhas e bezerras. Vimos muitas fazendas adotando essa estratégia, o que mostra uma mudança do perfil do produtor diante de movimentos no preço.
Acabou virando também oportunidade para investir…
Sim, poucas vezes eu também vi, como ocorreu agora, os pecuaristas aproveitarem este momento e fazer o que é o recomendado. Ou seja, a hora de investir, a hora de aumentar o rebanho, é a hora que o preço está baixo. No tempo de alta você mantém o rebanho, porque está caro, e estrutura a fazenda. Nós vimos muitos produtores com melhores estratégias diante dos ciclos.
De que forma isso se reflete nas contas da propriedade?
Já mostramos que, para dar um salto tecnológico na pecuária, em momentos de baixa, você gastaria quase R$ 4,8 mil por hectare. Já na época de alta, você tem que investir R$ 6,2 mil. Isso acontece porque, em fazenda de gado, a maior proporção do investimento para crescer é rebanho. Nós temos aquela impressão equivocada de que a agricultura demanda muito mais investimento do que a pecuária, mas na verdade a pecuária não vai ter os maquinários sofisticados, só que quando coloca o rebanho na conta é pesado.
Os preços da arroba do boi chegaram a cair cerca de 20% este ano. Há uma expectativa de recuperação?
Este ano chegamos no fundo do poço. Para o ano que vem acreditamos que os preços subam um pouco, nada exagerado, mas que já deve trazer um alívio. Para 2025, projetamos um resultado muito bom para a pecuária. Se o cenário de grãos não tiver grandes mudanças, vamos ter custos não tão altos e o preço terá melhorado muito. Em 2026 já começa a recuperar bem os preços.
Qual foi o fator determinante no pico que tivemos em 2021?
Houve essa mudança grande na pecuária estimulada pela exportação para a China. Saltamos de R$ 230 por arroba em 2018 e subimos para R$ 320. Em 2021 foi o preço mais alto de todo o período pós Plano Real. Foi a inserção no mercado internacional de forma consolidada. Dez anos atrás o Brasil já era um grande exportador, mas competia com Índia, Austrália e Estados Unidos. Hoje o Brasil está duas vezes acima do segundo do ranking. Nós temos um nível de exportação muito alto, o que justifica essa alta do preço.
E na queda deste ano, o que mais contribuiu?
Projetávamos uma baixa mais leve. Mas o preço despencou bem mais do que a gente imaginava. Em valor nominal, temos a maior queda de preço da história desde o início do Plano Real. Mas não posso dizer que é a maior crise. A maior crise do setor ocorreu por volta de 2006. Naquela época os preços despencaram, mas os custos se mantiveram. O que explica o tombo deste ano é principalmente a oferta muito acima do que a gente esperava.
Há outros fatores também?
Um deles é a exportação. A hora que você tira o principal ganho dos frigoríficos, que eles tinham nos anos anteriores, que é o ganho na operação de abater aqui e exportar, ele tem que fazer dinheiro aqui no mercado interno, então ele dá aquela segurada. Se eu não conseguir comprar o boi e vender a carne de uma forma que também pague minhas contas, eu seguro. Quando isso ocorre, os preços caem.
E quanto poderá subir no próximo ano?
Já começa a aumentar o preço em 2024. Na média do ano, cerca de 5% a 6% no ano que vem e em torno de 12% a 15% para 2025. O que influencia isso, principalmente, é a redução da sobreoferta. Se a quantidade de animais para abate estiver diminuindo, a tendência é de que os preços comecem a melhorar.
O que mais pode influir nos preços?
Evidentemente, temos que ficar de olho em outras variáveis, como o comportamento da economia no Brasil e qual o impacto da guerra. Se houver uma guerra regional no Oriente Médio, assim como aparecem algumas análises, é um cenário pior do que Ucrânia e Rússia porque, por mais que tenha toda a estupidez do Putin, ainda é um conceito Ocidental, que tem algumas regras, que toma algum cuidado.
Lá não, há um conceito ocidentalizado por parte dos israelenses, mas não tem isso por parte do Hamas. Os palestinos são a maior vítima, mas há muito oportunista lá que quer tirar Israel, a elite radical do mundo árabe quer varrer Israel.
Se tiver essa guerra regional aí fica difícil prever o que vai ocorrer com o mercado, provavelmente não passa nem navio por aqueles lados. Aí sim entraria numa crise complicada para o setor da pecuária. Na verdade, para todos os setores.
Ainda assim, dá para ser otimista?
Sim, acreditamos em recuperação de mercado internacional para o ano que vem. A China pode ser que consiga ou precise pagar preços melhores, o que voltaria a remunerar bem as exportações com possibilidade de precificação melhor.
“Para 2025, projetamos um resultado muito bom para a pecuária. Se o cenário de grãos não tiver grandes mudanças, vamos ter custos não tão altos e o preço terá melhorado muito”
A exportação de 2022 foi muito alta, foi espetacular. Por isso esta comparação de 2023 com 2022, indicando queda, é relativa. Estamos aí mais ou menos com 4% em volumes abaixo do ano passado. O problema é o preço. Estamos entre 20% e 25% abaixo da receita do ano passado.
Há outras consequências da queda do preço este ano?
Como os preços caíram muito, sumiu aquela conversa no ar de taxar as exportações, como os argentinos fizeram. Economistas da área urbana falavam em segurar as exportações, havia um receio que viesse algo neste sentido, mas como preços caíram, esse assunto morreu. Considero essa uma visão equivocada. Lá em 2006, fizeram na Argentina, que comia 60 quilos de carne por ano por habitante. Aí aumentou 5 quilos nos primeiros três anos, porque o produtor foi abatendo, houve mais disponibilidade. Mas nunca mais voltou aos 50 quilos. Hoje os argentinos estão comendo 18% a 20% menos carne do que consumiam. É uma decisão que não deve ser tomada.
As compras da China devem se manter?
A China é o outro lado da corda do Brasil. O crescimento do Brasil dependeu do crescimento da China. Isso nos permite fazer um laboratório sobre outras regiões que tem no mundo e que ainda podem se desenvolver. Temos a Índia, por exemplo. Não que ela vá importar carne brasileira, porque eles têm muita carne. Mas a Índia já está reduzindo as exportações de carne bovina ao longo dos anos, porque tem uma população crescente lá.
Em que ritmo o mercado indiano pode crescer?
O censo de 2021 não foi feito e não tem previsão para fazer. Desde o século 19 é a primeira década sem censo na Índia, então o mercado está meio perdido. Mas se as projeções se mantiveram, a população não hindu indiana vai ser maior que a população norte-americana já esse ano. Essas pessoas comem carne e começa a ter um ciclo parecido com o que a China viveu há 15 anos, com enriquecimento e população mais ocidentalizada. Isso tira carne do mercado internacional e vai abrindo espaço para o Brasil.
Os chineses desaceleraram um pouco as compras este ano…
Até outubro, o Brasil está mandando mais carne para o Chile, Hong Kong e Rússia. E está caindo para a China, 99 mil toneladas, mas é muito pouco. Mesmo em 2023 a China levou mais de 50% da carne bovina brasileira. É necessário, porém, cuidar das questões diplomáticas.
De que forma?
O Brasil vende alimentos, é uma questão humanitária, por isso como ocorreu no passado em que vários países queriam boicotar o Irã, por exemplo, nós mantivemos as vendas. O Brasil precisa saber pisar nos dois terrenos, não podemos ficar comprando briga com todo mundo. E tanto Lula quanto Bolsonaro já falaram demais, com risco de criar problemas diplomáticos, que poderiam pôr em risco essa posição confortável que o Brasil tem.
“O Brasil não pode ficar comprando briga, porque não vamos entrar em guerra. Então melhor que se continue vendendo para todo mundo”
De um lado estão os árabes e muçulmanos, incluindo os radicais, do outro lado o mundo ocidental, com Estados Unidos. O Brasil não pode ficar comprando briga, porque não vamos entrar em guerra. Então melhor que se continue vendendo para todo mundo.
O que mais prevê em relação ao mercado internacional para a carne bovina?
Os americanos não são grande player líquido do mercado internacional. Eles exportam muito, mas também importam muito. Em 2023, vão importar mais do que vão exportar e a tendência é de que a produção deles caia. Era para cair 800 mil toneladas, parece que vai cair entre 500 mil e 600 mil. A tendência é cair mais no ano que vem.
Falam que Austrália está vendendo mais barato, mas isso é porque estão abatendo mais animais. Isso tira oferta para o ano que vem. Portanto, temos dois players mostrando que não vão ter quantidade grande de carne para vender no ano que vem.
E com o Brasil aqui, saindo do ciclo de baixa, com perspectiva de produção continuando em alta, todo o cenário está a favor do Brasil.
Ou seja, tudo conspira a favor…
Recentemente, nós até fizemos algumas projeções pessimistas. Estávamos vendo que parecia não ter fim a quantidade de vacas que estavam sendo descartadas, então foi um alerta. Agora inverteu. Por mais que os preços não estejam subindo de forma consistente, eles pararam de cair e voltaram para um patamar um pouco melhor do que estavam, na faixa dos R$ 200, padrão de São Paulo.
O Brasil poderá se transformar no maior produtor mundial de carne bovina?
O Brasil é o maior exportador global. Mas, como produtor, os EUA ainda produzem 20% a mais que nós. Tem perspectiva de o Brasil ultrapassar, à medida que vai produzindo com mais consistência. Difícil falar em quanto tempo. Dependemos um pouco também desta queda da produção americana. Estava com chance de isso ocorrer entre 2025 e 2026. Mas é certo que não passa de 2030.
É uma questão de tempo, então?
Cinco anos atrás nós projetávamos que o Brasil passaria dos 3 milhões de toneladas de exportação somente em 2027. E isso ocorreu em 2022. Dá uma barrigada agora, mas estamos com consistência muito grande. Se não fizermos nenhuma besteira de ordem política ou sanitária a gente vai continuar numa curva de crescimento muito favorável para a exportação brasileira.
As exigências internacionais em relação à sustentabilidade, principalmente os controles de rastreabilidade, podem ser considerados uma ameaça ao ritmo de crescimento?
De todas as ameaças que temos, a mais perigosa é essa pressão que está sendo até meio autoimposta. Temos prometido na Europa, por pressões das ONGs, coisas que não dá para cumprir. O processo de controle dos fornecedores indiretos tem que ser feito de forma voluntária e gradual.
“Temos prometido na Europa, por pressões das ONGs, coisas que não dá para cumprir”
Lá fora dizem: “Mas vocês estão falando isso há 10 anos”. Sim, mas também estamos falando do Código Florestal há 10 anos e ainda não conseguimos validar nem 10% do CAR. Sempre que se pedia a regularização fundiária, os ambientalistas diziam que era “papo de ruralista”. Agora, alguns estão no governo e aí estão vendo que realmente precisa desta regularização.
Eles inventaram que dá para fazer o controle dos fornecedores indiretos usando o CAR, que não está validado, e usando as GTAs (Guias de Trânsito Animal). Só que é impossível controlar desta forma, porque envolve lotes de animais, que se misturam nas fazendas. O risco que temos aí é exercer uma pressão nos frigoríficos.
Como assim?
Estão propondo leis para que alguém não compre o gado sem GTA ou algum outro controle, para que a pecuária faça esse controle do desmatamento ilegal, que dá para ver por satélite. Não tem sentido criar regras ou novas leis para o que setor privado faça cumprir uma lei – do desmatamento ilegal – que o Estado é incapaz de garantir.
Qual seria o caminho?
É muito melhor ir lá e prender quem fez o desmatamento ilegal, tirar o gado, fazer leilão destes animais. A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) está pressionando que o frigorifico controle os indiretos. O desmatador ilegal é o direto com o sistema bancário. Tem que identificar o CPF e o CNPJ dele e estudar formas de punição pelo próprio sistema bancário. Seria muito mais fácil. Vamos ver se ele consegue manter uma operação sem acessar sistema bancário, só carregando a sacola de dinheiro. O problema está na forma como se quer fazer.
Qual é o risco?
Se fala que Europa não é nosso grande cliente e realmente não é. Mas a pressão existe, porque ela vem para os investidores dos frigoríficos, vem no mercado interno, envolve Ministério Publico. E qual é o risco que temos? O risco de tentar implementar algo que não funciona e excluir muita gente. Pequenos produtores, que não vão conseguir se adaptar, ficarão excluídos. Se estes animais que estão no campo não forem abatidos nos frigoríficos organizados que exportam, que tem controles, descartam carcaças doentes, etc., eles vão vender para aqueles que ainda atuam no século 20.
Qual o impacto disso no mercado?
Essa carne não vai deixar de chegar no mercado. Portanto teríamos um aumento do mercado informal, que inclusive dá combustível para aumentar o desmatamento. É onde ocorre as operações ilegais. É uma ameaça tentar implementar agendas, que realmente são importantes, mas nos prazos equivocados que a gente prometeu e não deveria ter se comprometido, com ferramentas equivocadas. Isso pode atrasar nosso crescimento.
O crescimento das carnes alternativas, de laboratório, também preocupa?
Não acredito que isso represente uma ameaça. O mundo que opina envolve uma elite tanto intelectual como financeira, que não é quem movimenta o grande mercado. O cidadão comum não quer o hambúrguer de jaca para fazer um churrasco.
As ações destas empresas estão caindo. E não é porque o negócio seja ruim. Isso tem futuro, tem nicho para tudo o que é tecnológico e bem produzido. O problema é que apostaram tão alto, que agora estão revendo e os preços vão voltando para o patamar de mercado. Tinha a expectativa de gerar determinada rentabilidade para o investidor, vê que não vai gerar, a ação cai… Normal.
E a questão das mudanças climáticas?
Temos uma pressão climática e as forças todas vão em cima da carne. Muitos que falavam do “pum de vaca” já perceberam, à medida que os estudos vão saindo, que a gente remove muito mais carbono do que emite, mesmo transformando em metano, o arroto da vaca. O grande problema hoje é o desmatamento. Mas ele não é feito pela pecuária. O desmatamento vira pecuária, mas ele não é demandado pela pecuária.
Qual a diferença?
O pessoal desmata, mas não consegue colocar soja lá porque vai ter que investir, aplicar calcário, etc. Soltar um boi é mais fácil, porque, se fiscalização chegar, ele só tira o boi. Já a soja não tem como tirar. O operador ilegal vai lá, quer grilar uma área, tira tudo, desmata, põe pasto e compra boi. É fácil comprar gado e deixar lá.
Você tem mostrado alguns números sobre isso, certo?
Sim. A prova disso é que a correlação entre desmatamento e pastagem é alta, mas a correlação entre desmatamento e rebanho não existe. Se observar o gráfico dos últimos 22 anos, inclusive do ano passado para cá, em momentos que o desmatamento cai, o rebanho aumenta na Amazônia Legal.
“Na prática temos o bandido e aquele que é correto. Estamos pressionando o cara correto e deixando o bandido livre”
Esses bois colocados pelos desmatadores ilegais representam muito pouco. Portanto, não são capazes de influenciar a correlação.
Na prática temos o bandido e aquele que é correto. Estamos pressionando o cara correto e deixando o bandido livre. Inclusive dando possibilidades maiores para ele trabalhar. Isso não vai dar certo. O Pedro Camargo Neto tem repetido isso: é uma obrigação de Estado parar o desmatamento ilegal, não interessa quem esteja lá, principalmente em áreas grandes.
E tem também a questão do carbono…
Nós conseguimos provar, por diversos estudos, que essa correlação não existe e que temos como acumular carbono. A questão do metano emitido… por que se considera o rebanho brasileiro e não outros ruminantes? A fauna africana tem provavelmente uns 400 milhões de ruminantes soltos, emitindo. O que vamos fazer com isso? O setor de couro está pressionado porque se optou por parar de usar couro de animais. Mas aí vai usar couro sintético, feito de petróleo? Qual a inteligência disso? É tudo muito confuso e faz parte de um processo de aprendizado.
Na hora que as coisas apertam, como em guerras, movimentos na Europa, as agendas caem. No final acho que a ciência vai prevalecer. Nós temos uma produção extremamente interessante no ambiente tropical, que acumula carbono ao invés de emitir, gera emprego, riqueza, dividendos. O que me preocupa são as ferramentas e os prazos equivocados.
Você acha que as empresas vão conseguir cumprir metas de rastrear fornecedores indiretos na pecuária?
Eu duvido, especialmente no curto prazo e considerando este modelo de usar CAR e GTA. Somente se diminuírem de tamanho. Aí buscariam trabalhar só com criadores grandes, por exemplo. Mas qual será o impacto social disso?
Com prazos mais estendidos, aí sim é possível. Os grandes frigoríficos deveriam convidar e pressionar as ONGs para ajudar nesta tarefa, testar soluções, e também se responsabilizar. O modelo de GTA e CAR é eficiente para pegar um problema, para fazer o diagnóstico. Mas te dá uma falsa ideia de que é possível controlar. Durante o processo você não consegue identificar, porque lotes se misturam, aí alguns animais entram em leilão e já muda tudo de novo.
Alguns defendem uma rastreabilidade oficial e mandatória. O que acha?
Este processo tem que ser voluntário. O cara tem que sentir o benefício e isso é devagar. Se pressiona por lei vai aumentar a informalidade, o raciocínio é lógico.
“Não conseguimos nem contar o rebanho como deveríamos. Há diferenças de 40 milhões de cabeças nas estatísticas oficiais. Isso dá base para quem quiser burlar o sistema”
Não desmatar já é mandatório. Por que criar outra lei para fazer cumprir a que não é cumprida? No Brasil temos este problema das leis que não pegam. Por que os desmatadores ilegais não estão presos? Já me mostraram imagem de satélite em tempo real de um desmate sendo feito em 7 mil hectares, área do governo.
A questão é que não conseguimos nem contar o rebanho como deveríamos. Há diferenças de 40 milhões de cabeças nas estatísticas oficiais e isso dá base para quem quiser burlar o sistema.
Há 13 anos você criou, junto com a Agroconsult, na época em que era sócio, o Rally da Pecuária, expedição anual que faz levantamentos in loco nas regiões produtoras. O que estão prevendo para o ano que vem? Devem incluir a mensuração de carbono nas pesquisas realizadas?
Estamos com dificuldade de colocar orçamento no Rally para fazer o que deve ser feito em termos de avaliar pastagens. Ao mesmo tempo, temos visto um problema grande nos estudos que analisam o acúmulo de carbono no solo. Por exemplo: um pasto bem manejado acumula e o não manejado não acumula.
Precisamos colocar números nas coisas. Quando falo pasto bem manejado, estou falando se teve integração, adubação, correção, por exemplo. A nossa ideia para conseguir recurso é estabelecer uma medição de carbono, para dar ao mercado essa informação, associando com o manejo do pasto.
Mas o que mais me interesso é saber o que o povo está fazendo na pastagem, para saber qual o ritmo de desenvolvimento que a pecuária está andando e para identificar os sistemas mais eficientes.
Já é possível ter uma pista disso?
Fizemos recentemente um teste de campo. Tem um tipo de capim que é 30% mais produtivo que outros. O menos produtivo acumulou mais carbono. Para saber se é verdade ou não, tem que medir, saber se ela é local ou se esta informação se repete.
A ideia é deixar estes dados acessíveis a comunidades cientificas. O estudo será entregue para Embrapa e outros órgãos e universidades que fazem pesquisa.
Provavelmente também teremos uma recuperação dos bezerros mais rápida. Poderemos ter ciclos mais frequentes. Não vai mudar muito porque é uma atividade de ciclo longo, mas serão oscilações menores. Se houver um novo boom de exportação ou de consumo no mercado interno, isso causa um novo estímulo à produção. Aparentemente, estamos com um mercado com mais previsibilidade do ponto de vista tecnológico.
Qual era o padrão anterior dos ciclos pecuários?
Em anos anteriores o pecuarista tomava decisões praticamente definitivas. Decidia parar de criar bezerros, por exemplo, porque o mercado não estava bom. Ele desanimava e passava a comprar animais. Hoje não, aparentemente o que o pecuarista fez foi algo mais estratégico. Eu tiro as mais velhas, que estão com carga genética mais antiga e dou atenção maior para as novilhas e bezerras. Vimos muitas fazendas adotando essa estratégia, o que mostra uma mudança do perfil do produtor diante de movimentos no preço.
Acabou virando também oportunidade para investir…
Sim, poucas vezes eu também vi, como ocorreu agora, os pecuaristas aproveitarem este momento e fazer o que é o recomendado. Ou seja, a hora de investir, a hora de aumentar o rebanho, é a hora que o preço está baixo. No tempo de alta você mantém o rebanho, porque está caro, e estrutura a fazenda. Nós vimos muitos produtores com melhores estratégias diante dos ciclos.
De que forma isso se reflete nas contas da propriedade?
Já mostramos que, para dar um salto tecnológico na pecuária, em momentos de baixa, você gastaria quase R$ 4,8 mil por hectare. Já na época de alta, você tem que investir R$ 6,2 mil. Isso acontece porque, em fazenda de gado, a maior proporção do investimento para crescer é rebanho. Nós temos aquela impressão equivocada de que a agricultura demanda muito mais investimento do que a pecuária, mas na verdade a pecuária não vai ter os maquinários sofisticados, só que quando coloca o rebanho na conta é pesado.
Os preços da arroba do boi chegaram a cair cerca de 20% este ano. Há uma expectativa de recuperação?
Este ano chegamos no fundo do poço. Para o ano que vem acreditamos que os preços subam um pouco, nada exagerado, mas que já deve trazer um alívio. Para 2025, projetamos um resultado muito bom para a pecuária. Se o cenário de grãos não tiver grandes mudanças, vamos ter custos não tão altos e o preço terá melhorado muito. Em 2026 já começa a recuperar bem os preços.
Qual foi o fator determinante no pico que tivemos em 2021?
Houve essa mudança grande na pecuária estimulada pela exportação para a China. Saltamos de R$ 230 por arroba em 2018 e subimos para R$ 320. Em 2021 foi o preço mais alto de todo o período pós Plano Real. Foi a inserção no mercado internacional de forma consolidada. Dez anos atrás o Brasil já era um grande exportador, mas competia com Índia, Austrália e Estados Unidos. Hoje o Brasil está duas vezes acima do segundo do ranking. Nós temos um nível de exportação muito alto, o que justifica essa alta do preço.
E na queda deste ano, o que mais contribuiu?
Projetávamos uma baixa mais leve. Mas o preço despencou bem mais do que a gente imaginava. Em valor nominal, temos a maior queda de preço da história desde o início do Plano Real. Mas não posso dizer que é a maior crise. A maior crise do setor ocorreu por volta de 2006. Naquela época os preços despencaram, mas os custos se mantiveram. O que explica o tombo deste ano é principalmente a oferta muito acima do que a gente esperava.
Há outros fatores também?
Um deles é a exportação. A hora que você tira o principal ganho dos frigoríficos, que eles tinham nos anos anteriores, que é o ganho na operação de abater aqui e exportar, ele tem que fazer dinheiro aqui no mercado interno, então ele dá aquela segurada. Se eu não conseguir comprar o boi e vender a carne de uma forma que também pague minhas contas, eu seguro. Quando isso ocorre, os preços caem.
E quanto poderá subir no próximo ano?
Já começa a aumentar o preço em 2024. Na média do ano, cerca de 5% a 6% no ano que vem e em torno de 12% a 15% para 2025. O que influencia isso, principalmente, é a redução da sobreoferta. Se a quantidade de animais para abate estiver diminuindo, a tendência é de que os preços comecem a melhorar.
O que mais pode influir nos preços?
Evidentemente, temos que ficar de olho em outras variáveis, como o comportamento da economia no Brasil e qual o impacto da guerra. Se houver uma guerra regional no Oriente Médio, assim como aparecem algumas análises, é um cenário pior do que Ucrânia e Rússia porque, por mais que tenha toda a estupidez do Putin, ainda é um conceito Ocidental, que tem algumas regras, que toma algum cuidado.
Lá não, há um conceito ocidentalizado por parte dos israelenses, mas não tem isso por parte do Hamas. Os palestinos são a maior vítima, mas há muito oportunista lá que quer tirar Israel, a elite radical do mundo árabe quer varrer Israel.
Se tiver essa guerra regional aí fica difícil prever o que vai ocorrer com o mercado, provavelmente não passa nem navio por aqueles lados. Aí sim entraria numa crise complicada para o setor da pecuária. Na verdade, para todos os setores.
Ainda assim, dá para ser otimista?
Sim, acreditamos em recuperação de mercado internacional para o ano que vem. A China pode ser que consiga ou precise pagar preços melhores, o que voltaria a remunerar bem as exportações com possibilidade de precificação melhor.
“Para 2025, projetamos um resultado muito bom para a pecuária. Se o cenário de grãos não tiver grandes mudanças, vamos ter custos não tão altos e o preço terá melhorado muito”
A exportação de 2022 foi muito alta, foi espetacular. Por isso esta comparação de 2023 com 2022, indicando queda, é relativa. Estamos aí mais ou menos com 4% em volumes abaixo do ano passado. O problema é o preço. Estamos entre 20% e 25% abaixo da receita do ano passado.
Há outras consequências da queda do preço este ano?
Como os preços caíram muito, sumiu aquela conversa no ar de taxar as exportações, como os argentinos fizeram. Economistas da área urbana falavam em segurar as exportações, havia um receio que viesse algo neste sentido, mas como preços caíram, esse assunto morreu. Considero essa uma visão equivocada. Lá em 2006, fizeram na Argentina, que comia 60 quilos de carne por ano por habitante. Aí aumentou 5 quilos nos primeiros três anos, porque o produtor foi abatendo, houve mais disponibilidade. Mas nunca mais voltou aos 50 quilos. Hoje os argentinos estão comendo 18% a 20% menos carne do que consumiam. É uma decisão que não deve ser tomada.
As compras da China devem se manter?
A China é o outro lado da corda do Brasil. O crescimento do Brasil dependeu do crescimento da China. Isso nos permite fazer um laboratório sobre outras regiões que tem no mundo e que ainda podem se desenvolver. Temos a Índia, por exemplo. Não que ela vá importar carne brasileira, porque eles têm muita carne. Mas a Índia já está reduzindo as exportações de carne bovina ao longo dos anos, porque tem uma população crescente lá.
Em que ritmo o mercado indiano pode crescer?
O censo de 2021 não foi feito e não tem previsão para fazer. Desde o século 19 é a primeira década sem censo na Índia, então o mercado está meio perdido. Mas se as projeções se mantiveram, a população não hindu indiana vai ser maior que a população norte-americana já esse ano. Essas pessoas comem carne e começa a ter um ciclo parecido com o que a China viveu há 15 anos, com enriquecimento e população mais ocidentalizada. Isso tira carne do mercado internacional e vai abrindo espaço para o Brasil.
Os chineses desaceleraram um pouco as compras este ano…
Até outubro, o Brasil está mandando mais carne para o Chile, Hong Kong e Rússia. E está caindo para a China, 99 mil toneladas, mas é muito pouco. Mesmo em 2023 a China levou mais de 50% da carne bovina brasileira. É necessário, porém, cuidar das questões diplomáticas.
De que forma?
O Brasil vende alimentos, é uma questão humanitária, por isso como ocorreu no passado em que vários países queriam boicotar o Irã, por exemplo, nós mantivemos as vendas. O Brasil precisa saber pisar nos dois terrenos, não podemos ficar comprando briga com todo mundo. E tanto Lula quanto Bolsonaro já falaram demais, com risco de criar problemas diplomáticos, que poderiam pôr em risco essa posição confortável que o Brasil tem.
“O Brasil não pode ficar comprando briga, porque não vamos entrar em guerra. Então melhor que se continue vendendo para todo mundo”
De um lado estão os árabes e muçulmanos, incluindo os radicais, do outro lado o mundo ocidental, com Estados Unidos. O Brasil não pode ficar comprando briga, porque não vamos entrar em guerra. Então melhor que se continue vendendo para todo mundo.
O que mais prevê em relação ao mercado internacional para a carne bovina?
Os americanos não são grande player líquido do mercado internacional. Eles exportam muito, mas também importam muito. Em 2023, vão importar mais do que vão exportar e a tendência é de que a produção deles caia. Era para cair 800 mil toneladas, parece que vai cair entre 500 mil e 600 mil. A tendência é cair mais no ano que vem.
Falam que Austrália está vendendo mais barato, mas isso é porque estão abatendo mais animais. Isso tira oferta para o ano que vem. Portanto, temos dois players mostrando que não vão ter quantidade grande de carne para vender no ano que vem.
E com o Brasil aqui, saindo do ciclo de baixa, com perspectiva de produção continuando em alta, todo o cenário está a favor do Brasil.
Ou seja, tudo conspira a favor…
Recentemente, nós até fizemos algumas projeções pessimistas. Estávamos vendo que parecia não ter fim a quantidade de vacas que estavam sendo descartadas, então foi um alerta. Agora inverteu. Por mais que os preços não estejam subindo de forma consistente, eles pararam de cair e voltaram para um patamar um pouco melhor do que estavam, na faixa dos R$ 200, padrão de São Paulo.
O Brasil poderá se transformar no maior produtor mundial de carne bovina?
O Brasil é o maior exportador global. Mas, como produtor, os EUA ainda produzem 20% a mais que nós. Tem perspectiva de o Brasil ultrapassar, à medida que vai produzindo com mais consistência. Difícil falar em quanto tempo. Dependemos um pouco também desta queda da produção americana. Estava com chance de isso ocorrer entre 2025 e 2026. Mas é certo que não passa de 2030.
É uma questão de tempo, então?
Cinco anos atrás nós projetávamos que o Brasil passaria dos 3 milhões de toneladas de exportação somente em 2027. E isso ocorreu em 2022. Dá uma barrigada agora, mas estamos com consistência muito grande. Se não fizermos nenhuma besteira de ordem política ou sanitária a gente vai continuar numa curva de crescimento muito favorável para a exportação brasileira.
As exigências internacionais em relação à sustentabilidade, principalmente os controles de rastreabilidade, podem ser considerados uma ameaça ao ritmo de crescimento?
De todas as ameaças que temos, a mais perigosa é essa pressão que está sendo até meio autoimposta. Temos prometido na Europa, por pressões das ONGs, coisas que não dá para cumprir. O processo de controle dos fornecedores indiretos tem que ser feito de forma voluntária e gradual.
“Temos prometido na Europa, por pressões das ONGs, coisas que não dá para cumprir”
Lá fora dizem: “Mas vocês estão falando isso há 10 anos”. Sim, mas também estamos falando do Código Florestal há 10 anos e ainda não conseguimos validar nem 10% do CAR. Sempre que se pedia a regularização fundiária, os ambientalistas diziam que era “papo de ruralista”. Agora, alguns estão no governo e aí estão vendo que realmente precisa desta regularização.
Eles inventaram que dá para fazer o controle dos fornecedores indiretos usando o CAR, que não está validado, e usando as GTAs (Guias de Trânsito Animal). Só que é impossível controlar desta forma, porque envolve lotes de animais, que se misturam nas fazendas. O risco que temos aí é exercer uma pressão nos frigoríficos.
Como assim?
Estão propondo leis para que alguém não compre o gado sem GTA ou algum outro controle, para que a pecuária faça esse controle do desmatamento ilegal, que dá para ver por satélite. Não tem sentido criar regras ou novas leis para o que setor privado faça cumprir uma lei – do desmatamento ilegal – que o Estado é incapaz de garantir.
Qual seria o caminho?
É muito melhor ir lá e prender quem fez o desmatamento ilegal, tirar o gado, fazer leilão destes animais. A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) está pressionando que o frigorifico controle os indiretos. O desmatador ilegal é o direto com o sistema bancário. Tem que identificar o CPF e o CNPJ dele e estudar formas de punição pelo próprio sistema bancário. Seria muito mais fácil. Vamos ver se ele consegue manter uma operação sem acessar sistema bancário, só carregando a sacola de dinheiro. O problema está na forma como se quer fazer.
Qual é o risco?
Se fala que Europa não é nosso grande cliente e realmente não é. Mas a pressão existe, porque ela vem para os investidores dos frigoríficos, vem no mercado interno, envolve Ministério Publico. E qual é o risco que temos? O risco de tentar implementar algo que não funciona e excluir muita gente. Pequenos produtores, que não vão conseguir se adaptar, ficarão excluídos. Se estes animais que estão no campo não forem abatidos nos frigoríficos organizados que exportam, que tem controles, descartam carcaças doentes, etc., eles vão vender para aqueles que ainda atuam no século 20.
Qual o impacto disso no mercado?
Essa carne não vai deixar de chegar no mercado. Portanto teríamos um aumento do mercado informal, que inclusive dá combustível para aumentar o desmatamento. É onde ocorre as operações ilegais. É uma ameaça tentar implementar agendas, que realmente são importantes, mas nos prazos equivocados que a gente prometeu e não deveria ter se comprometido, com ferramentas equivocadas. Isso pode atrasar nosso crescimento.
O crescimento das carnes alternativas, de laboratório, também preocupa?
Não acredito que isso represente uma ameaça. O mundo que opina envolve uma elite tanto intelectual como financeira, que não é quem movimenta o grande mercado. O cidadão comum não quer o hambúrguer de jaca para fazer um churrasco.
As ações destas empresas estão caindo. E não é porque o negócio seja ruim. Isso tem futuro, tem nicho para tudo o que é tecnológico e bem produzido. O problema é que apostaram tão alto, que agora estão revendo e os preços vão voltando para o patamar de mercado. Tinha a expectativa de gerar determinada rentabilidade para o investidor, vê que não vai gerar, a ação cai… Normal.
E a questão das mudanças climáticas?
Temos uma pressão climática e as forças todas vão em cima da carne. Muitos que falavam do “pum de vaca” já perceberam, à medida que os estudos vão saindo, que a gente remove muito mais carbono do que emite, mesmo transformando em metano, o arroto da vaca. O grande problema hoje é o desmatamento. Mas ele não é feito pela pecuária. O desmatamento vira pecuária, mas ele não é demandado pela pecuária.
Qual a diferença?
O pessoal desmata, mas não consegue colocar soja lá porque vai ter que investir, aplicar calcário, etc. Soltar um boi é mais fácil, porque, se fiscalização chegar, ele só tira o boi. Já a soja não tem como tirar. O operador ilegal vai lá, quer grilar uma área, tira tudo, desmata, põe pasto e compra boi. É fácil comprar gado e deixar lá.
Você tem mostrado alguns números sobre isso, certo?
Sim. A prova disso é que a correlação entre desmatamento e pastagem é alta, mas a correlação entre desmatamento e rebanho não existe. Se observar o gráfico dos últimos 22 anos, inclusive do ano passado para cá, em momentos que o desmatamento cai, o rebanho aumenta na Amazônia Legal.
“Na prática temos o bandido e aquele que é correto. Estamos pressionando o cara correto e deixando o bandido livre”
Esses bois colocados pelos desmatadores ilegais representam muito pouco. Portanto, não são capazes de influenciar a correlação.
Na prática temos o bandido e aquele que é correto. Estamos pressionando o cara correto e deixando o bandido livre. Inclusive dando possibilidades maiores para ele trabalhar. Isso não vai dar certo. O Pedro Camargo Neto tem repetido isso: é uma obrigação de Estado parar o desmatamento ilegal, não interessa quem esteja lá, principalmente em áreas grandes.
E tem também a questão do carbono…
Nós conseguimos provar, por diversos estudos, que essa correlação não existe e que temos como acumular carbono. A questão do metano emitido… por que se considera o rebanho brasileiro e não outros ruminantes? A fauna africana tem provavelmente uns 400 milhões de ruminantes soltos, emitindo. O que vamos fazer com isso? O setor de couro está pressionado porque se optou por parar de usar couro de animais. Mas aí vai usar couro sintético, feito de petróleo? Qual a inteligência disso? É tudo muito confuso e faz parte de um processo de aprendizado.
Na hora que as coisas apertam, como em guerras, movimentos na Europa, as agendas caem. No final acho que a ciência vai prevalecer. Nós temos uma produção extremamente interessante no ambiente tropical, que acumula carbono ao invés de emitir, gera emprego, riqueza, dividendos. O que me preocupa são as ferramentas e os prazos equivocados.
Você acha que as empresas vão conseguir cumprir metas de rastrear fornecedores indiretos na pecuária?
Eu duvido, especialmente no curto prazo e considerando este modelo de usar CAR e GTA. Somente se diminuírem de tamanho. Aí buscariam trabalhar só com criadores grandes, por exemplo. Mas qual será o impacto social disso?
Com prazos mais estendidos, aí sim é possível. Os grandes frigoríficos deveriam convidar e pressionar as ONGs para ajudar nesta tarefa, testar soluções, e também se responsabilizar. O modelo de GTA e CAR é eficiente para pegar um problema, para fazer o diagnóstico. Mas te dá uma falsa ideia de que é possível controlar. Durante o processo você não consegue identificar, porque lotes se misturam, aí alguns animais entram em leilão e já muda tudo de novo.
Alguns defendem uma rastreabilidade oficial e mandatória. O que acha?
Este processo tem que ser voluntário. O cara tem que sentir o benefício e isso é devagar. Se pressiona por lei vai aumentar a informalidade, o raciocínio é lógico.
“Não conseguimos nem contar o rebanho como deveríamos. Há diferenças de 40 milhões de cabeças nas estatísticas oficiais. Isso dá base para quem quiser burlar o sistema”
Não desmatar já é mandatório. Por que criar outra lei para fazer cumprir a que não é cumprida? No Brasil temos este problema das leis que não pegam. Por que os desmatadores ilegais não estão presos? Já me mostraram imagem de satélite em tempo real de um desmate sendo feito em 7 mil hectares, área do governo.
A questão é que não conseguimos nem contar o rebanho como deveríamos. Há diferenças de 40 milhões de cabeças nas estatísticas oficiais e isso dá base para quem quiser burlar o sistema.
Há 13 anos você criou, junto com a Agroconsult, na época em que era sócio, o Rally da Pecuária, expedição anual que faz levantamentos in loco nas regiões produtoras. O que estão prevendo para o ano que vem? Devem incluir a mensuração de carbono nas pesquisas realizadas?
Estamos com dificuldade de colocar orçamento no Rally para fazer o que deve ser feito em termos de avaliar pastagens. Ao mesmo tempo, temos visto um problema grande nos estudos que analisam o acúmulo de carbono no solo. Por exemplo: um pasto bem manejado acumula e o não manejado não acumula.
Precisamos colocar números nas coisas. Quando falo pasto bem manejado, estou falando se teve integração, adubação, correção, por exemplo. A nossa ideia para conseguir recurso é estabelecer uma medição de carbono, para dar ao mercado essa informação, associando com o manejo do pasto.
Mas o que mais me interesso é saber o que o povo está fazendo na pastagem, para saber qual o ritmo de desenvolvimento que a pecuária está andando e para identificar os sistemas mais eficientes.
Já é possível ter uma pista disso?
Fizemos recentemente um teste de campo. Tem um tipo de capim que é 30% mais produtivo que outros. O menos produtivo acumulou mais carbono. Para saber se é verdade ou não, tem que medir, saber se ela é local ou se esta informação se repete.
A ideia é deixar estes dados acessíveis a comunidades cientificas. O estudo será entregue para Embrapa e outros órgãos e universidades que fazem pesquisa.
Fonte: AgFeed
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