O desconhecimento ativista, mesmo baseado em boas intenções, pode gerar desinformações e, dependendo do nível de influência, acabar ocasionando o efeito inverso ao que se propôs.
O desconhecimento ativista, mesmo baseado em boas intenções, pode gerar desinformações e, dependendo do nível de influência, acabar ocasionando o efeito inverso ao que se propôs.
É o caso de um artigo publicado no portal “eCycle”, que tomamos conhecimento por me citar em um dos parágrafos que, em teoria, consistiria em um dos argumentos “pró” confinamento. Em teoria porque a informação, além de errada, está descontextualizada, provavelmente retirada de algum trecho de artigo ou outra entrevista. Os editores responsáveis pelo site nunca entraram em contato com nossa equipe para se informar sobre o tema. E, a julgar pelo conteúdo, tampouco consultaram algum outro técnico que pudesse esclarecer o assunto.
A matéria começa assumindo como verdade incontestável que os animais criados em confinamento são maltratados, assim como a carne produzida seria prejudicial ao consumidor. Ambas as afirmações, no entanto, são equivocadas.
Os maus tratos só são realidade em estruturas mal dimensionadas, onde os animais não teriam espaço para se deitar ou sofreriam pela ação de animais dominantes. Nesses casos, no entanto, quem mais perderia seria o próprio empresário, dono do confinamento, que não colheria os resultados técnicos minimamente satisfatórios. Não há desempenho em um animal que esteja sofrendo física ou psicologicamente.
A afirmação é tão distante da realidade que qualquer pessoa que já tenha visitado um confinamento, pode testemunhar a calma e a mansidão dos animais que recebem comida e água abundante, sem ter que se locomover pelos pastos, sempre alertas aos riscos de predadores. Até mesmo os bovinos de raças zebuínas, naturalmente mais ariscos, se acalmam quando confinados. Os confinamentos, tecnicamente adequados, são extremamente confortáveis aos animais. Se não for assim, não resistem à prova econômica.
Outra afirmação inicial, tomada como verdade, esbarra na irresponsabilidade panfletária. Como é possível afirmar que o consumo de carne de animal confinado pode ser prejudicial à saúde? Uma afirmação dessa natureza precisaria, no mínimo, ser acompanhada de fatos e citações de estudos que comprovassem a sua veracidade. Não há nada, na literatura, que justifique dúvida em relação ao sistema de produção com o risco do alimento para o consumidor.
O texto ainda busca relacionar o uso de antibióticos com o desenvolvimento de bactérias resistentes. Embora essa tese tenha ganhado força nos últimos anos, ela está mais ligada a um sensacionalismo de um debate que desconsiderou a ciência do que aos fatos em si. Não cabe aqui explicar tecnicamente os riscos, mas em recente reunião realizada em São Paulo, justamente para discutir o uso de antimicrobianos na produção animal, diversos pesquisadores concordaram que o risco de resistência bacteriana é reduzido com a inserção de antimicrobianos na dieta dos animais. O risco se reduz pelo rigor técnico com que são administrados os produtos, pela forma de tratamento, nível de dosagem de acordo com as populações microbianas etc. Tudo é planejado de modo a não trazer riscos para a saúde animal e humana, com base em ciência e não em suposições.
Hoje, a resistência bacteriana a antibióticos está mais associada ao uso indiscriminado, dosagens inadequadas e descarte de resíduos nas residências. Pergunte a si mesmo: qual foi o seu critério de descarte dos restos de antibióticos usados recentemente em algum tratamento? A resistência é consequência do mau uso de antibióticos na saúde humana e não na produção animal.
Estudos compilados pelo centro de controle de doenças norte americano (CDC) apontam que as chances de falha em um tratamento, causada por resistência relacionada ao uso de antibióticos comuns em animais, é de 1 em 1 bilhão. As chances de uma pessoa morrer mordida por cachorro na rua são 8.600 vezes maiores do que a chance de um tratamento com antibióticos falhar por estar relacionado com a produção animal.
Ambientalmente, a argumentação do artigo também incorre em vários erros. Cita terminologias, tamanho de confinamentos e entidades norte americanas de forma desconexa, sugerindo, por exemplo, que a simples existência de fiscalização representaria ameaça recorrente de danos ambientais.
Segue discorrendo sobre as desvantagens em relação ao consumo de água no confinamento. No Brasil, um bovino terminado em 100 dias num confinamento padrão agregará cerca de 120 kg de carcaça com um consumo total de 4,0 a 4,5 mil litros de água. Num sistema a pasto de ótimo desempenho, sem inserção de alimentos concentrados, os mesmos 120 kg de carcaça serão obtidos em cerca de 250 dias, com cerca de 10 mil litros de água consumida para conseguir a mesma produção de carne.
A pegada hídrica se reduz em sistemas intensivos. Mesmo elaborando cálculos mais complexos, considerando a evapotranspiração para a produção de todos os componentes da dieta, o cálculo será ainda mais favorável às dietas mais adensadas, que possibilitam ganhos melhores.
A comparação da produção de dejetos bovinos com humanos é mais um exemplo de desinformação, pois compara-se herbívoros ruminantes, de 500 kg de peso vivo, com pessoas na faixa dos 60 a 70 kg, onívoros, com metabolismos totalmente diferentes. Os dejetos só tornam problema quando mal manejados. No Brasil, diversos produtores estão aproveitando as fezes do confinamento para produção de fertilizantes organominerais, com maior aproveitamento dos nutrientes e significativa redução na pegada de carbono.
Não há problema específico de saúde humana para os funcionários que lidam com o confinamento. Não há contaminação por amônia e nem por toxinas liberadas por bactérias, pois a produção de animais confinados no Brasil acontece em locais abertos e não fechados. Estes últimos só existem em regiões de inverno rigoroso, o que não é o caso no Brasil.
A única variável mais presente, que poderia afetar a saúde, são as partículas de poeira nas fábricas de ração ou no próprio curral. Os efeitos dessas partículas são mitigados com uso devido de EPI (Equipamentos de Proteção Individual) e sistemas de contenção de poeira, como irrigação de lâmina d´água nos currais de confinamento.
Eventuais riscos que possam existir são aqueles inerentes e específicos a cada uma das atividades produtivas em qualquer área de trabalho. Até mesmo para as pessoas que trabalham em escritórios há riscos que devem ser observados.
Contextualizando a citação que me foi atribuída, no texto, vale ressaltar que o confinamento vem crescendo e é fundamental para manter a competitividade dos produtores e o desenvolvimento tecnológico da pecuária.
Diferente de ambientes temperados ou desérticos, o confinamento no Brasil é consequência do aumento da produtividade a pasto, enquanto nos EUA, por exemplo, o confinamento é a alternativa que possibilita aumentar a produtividade.
Nos EUA, a produção à pasto é limitada e explorada praticamente em todo seu potencial. Para incrementar o volume de carne, os produtores precisariam confinar para aumentar a produção de bezerros, tornando a intensificação praticamente dependente do confinamento.
No Brasil, é outra realidade. As pastagens tropicais, extremamente produtivas quando bem tratadas, concentram 80% da massa nos cerca de seis meses de chuva, enquanto o restante é produzido nos meses mais secos. Para adequar a produção ao longo do ano, os pecuaristas brasileiros dependem de estratégias para compensar a falta de pastagens durante os meses mais secos.
Quanto maior for a produção, e consequente aproveitamento das pastagens, o sistema será mais dependente de estratégias na época da seca. É nesse contexto que entra o confinamento brasileiro. Basicamente, é uma ferramenta que permite melhor aproveitamento das pastagens.
Esse aproveitamento é essencial à tão almejada sustentabilidade, com redução da pegada de hídrica e de carbono. Atualmente, 12% a 15% dos bovinos são terminados em confinamento. Ainda assim, apenas algo entre 4% e 5% das carcaças serão ganhas em sistemas de confinamento, sendo que todas as demais 95% virão da produção a pasto.
Por desconhecimento e preconceito, a produção pecuária tem pautado textos que se propõe a discorrer sobre o tema sem que haja compreensão da realidade. Uma hipotética reação negativa à carne, produzida em confinamento, ocasionaria perdas que se acumulariam à montante na terminação dos animais.
Essas perdas impactariam todo o sistema a pasto, limitaria o nível de produtividade e, consequentemente, demandaria mais áreas para a produção da mesma quantidade de carne.
O impacto social também seria evidente. Com a carne produzida em sistemas extensivos de baixa produtividade, a geração de empregos no campo (fazendas) e na cadeia produtiva (insumos) também seria menor; ao consumidor, essa carne chegaria mais cara, diminuindo o acesso às proteínas.
Mesmo que as intenções sejam boas, o efeito prático do que se propõe no artigo supracitado, seria um retrocesso do ponto de vista econômico, ambiental e social.
Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, sócio e diretor da Athenagro