Vamos faturar politicamente com o desmatamento ilegal ou vamos combatê-lo?
A importância da preservação ambiental é incontestável. A preocupação da sociedade em relação ao assunto vem aumentando ano a ano, impondo mudanças estruturais nas cadeias produtivas.
O desmatamento é um exemplo atual. Não há quem discuta a necessidade de conter o desmatamento ilegal. Organizações ambientais, membros do governo, agronegócio, instituições financeiras e qualquer cidadão que preze uma sociedade civilizada será radicalmente contra a prática de ilegalidades. As perdas com o desmatamento ilegal são enormes.
O agro perde duas vezes. A primeira perda é direta, com o fluxo de produtos informais competindo no mercado organizado. No caso da pecuária, o maior foco do debate, o prejuízo ocorre para os frigoríficos e produtores, com a consequente redução no nível médio de preços no mercado.
A segunda perda é institucional, relacionada à imagem. A onda de campanhas contra a produção dificulta o acesso a mercados e demanda investimentos para esclarecer desinformações difundidas contra o setor.
É fato que a maior parte da área desmatada ilegalmente, senão toda ela, acaba se transformando em pastagens. No entanto, antes de sair culpando a atividade pecuária, é fundamental compreender por que essa tendência acontece. O que leva o investimento em rebanho ser tão atrativo para os criminosos? E o que pode ser feito para reduzir essa atratividade?
Responder a essas questões de forma honesta, e despida de preconceitos, será o primeiro passo para se adotar medidas eficientes para conter o desmatamento ilegal.
E esse tema nunca foi discutido de forma pragmática. É mais fácil culpar a atividade toda ao invés de enfrentar o problema em sua complexidade.
O agronegócio está do lado da legalidade. Sempre esteve. Não fosse assim, nenhum dos avanços obtidos ao longo das últimas décadas teria ocorrido.
Ainda com relação ao desmatamento, é fundamental analisá-lo de forma criteriosa. Na busca de holofotes para marcar posições políticas no cenário nacional e internacional, oportunistas estão superestimando as ocorrências atuais.
É verdade que o desmatamento aumentou em 2019. E é verdade que aumentará também em 2020. No entanto, não é verdade que o desmatamento atingiu níveis recordes.
Em 2019, a área desmatada voltou ao patamar de 1 milhão de hectares, nível 35% inferior ao desmatamento médio de 1,5 milhão de hectares registrado nos oito anos do governo Lula.
Observe também que o desmatamento não tem correlação com o desenvolvimento da pecuária e o aumento das exportações. A pecuária brasileira passou a ganhar espaço internacional cada vez maior a partir de meados dos anos 2000, quando o Brasil ocupou o lugar dos norte-americanos no mercado global, depois da ocorrência da encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca) naquele país.
A queda brusca no desmatamento coincide com o aumento da participação do Brasil no mercado internacional, com a redução dos estoques de animais improdutivos e consequente formalização e modernização do mercado de carne bovina.
É desonesto falar do sucesso nas ações de contenção do desmatamento ilegal sem considerar o desenvolvimento empresarial da pecuária brasileira. A redução no avanço sobre as fronteiras foi consequência do aporte tecnológico e da percepção que o retorno financeiro é melhor com o aumento da produtividade e não com o acúmulo de terras. O dinamismo do agronegócio é o maior responsável por conter desmatamentos que poderiam ter sido ainda maiores, caso a produtividade não aumentasse.
Só na pecuária, em 30 anos, calcula-se um total de 270 milhões de hectares que foram poupados.
Da mesma forma que o desmatamento não é recorde, o aumento no desmatamento anual também não é. Em porcentagem sobre o ano anterior, o aumento de 34% na área desmatada em 2019 é o mais alto desde 1995, quando a área desmatada praticamente dobrou em relação ao 1994.
Porém, em 2019 o desmatamento saiu de um patamar mais baixo e, por essa razão, o aumento porcentual acaba sendo maior. É errado analisar apenas esse número sem interpretá-lo.
O aumento em relação à 2018 foi de 259 mil hectares, o maior em 15 anos. Mas abaixo da média do período entre 2002 e 2004.
É preciso usar os dados para formular soluções e não para a autopromoção. E tampouco para conseguir recursos para instituições que dizem combater a ilegalidade atacando justamente os que operam na legalidade.
Quando as paixões são deixadas de lado, o histórico do desmatamento monitorado pelo INPE nos deixa algumas pistas que precisam ser estudadas. Focando mais no período da economia estabilizada, com inflação controlada, os picos nos desmatamentos parecem ocorrer em momento de incerteza. Mudanças de governo como a entrada de Fernando Henrique em 1995 e de Lula em 2003 foram acompanhados de significativos aumentos nas áreas desmatadas. Em 1998 não houve mudança no governo, mas havia uma grande incerteza em relação à política econômica que antecedeu a adoção da política de câmbio flutuante logo no início do segundo mandato do então presidente.
Em termos de desmatamento, teve início junto com a gestão petista o pior momento da história recente. A situação foi amenizada apenas no sétimo ano de governo.
Novos aumentos nas taxas de desmatamento voltaram a ocorrer em 2008, período da crise financeira mundial do subprime, e em 2016 e 2017, com os dois anos seguidos registrando queda média de 3,4% no PIB (Produto Interno Bruto) seguido pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Em 2019, nova mudança de governo e o comportamento que vem se repetindo desde meados da década de 1990. Não se trata de desculpa e nem de razões para flexibilizar as ações de contenção. Tanto as demandas mundiais como as ferramentas disponíveis permitem mais efetividade no controle do desmatamento ilegal. Mas elas precisam ser usadas de forma inteligente.
O objetivo em relação ao desmatamento ilegal deve ser a sua completa eliminação. É preciso zerá-lo. Todas as ações que viabilizam e estimulam as ilegalidades precisam ser combatidas e contidas. Os responsáveis precisam ser presos e punidos. O desafio é da sociedade e não apenas de um setor.
E o país tem um problema pela frente. Os níveis de incertezas e insegurança causados pela pandemia serão potencializados pela crise econômica e dúvidas em relação às políticas que serão adotadas. Pelo comportamento histórico, a tendência é que o desmatamento ilegal continue aumentando.
O empresariado rural está certo em cobrar medidas mais duras por parte do governo. É o setor mais penalizado pelas ilegalidades que ocorrem no campo. É a primeira vítima, embora a propaganda difamatória tente colocá-lo como causa.
As organizações ambientais precisam ser mais conscientes e focadas na elaboração de decisões. Acompanhando suas reações com medidas e propostas apresentadas pelos atuais responsáveis, a impressão que fica é que aceitam debater, desde que suas propostas sejam integralmente acatadas e implementadas.
Além de não aceitarem discutir alternativas, tendem a boicotá-las através de campanhas falaciosas.
Como sociedade, é fundamental que o problema seja enfrentado de forma profissional. Existem dados, há possibilidade de diagnóstico e de execução de ações cujos resultados possam ser mensurados.
É preciso tirar essa discussão do debate político, carregado de dogmas e certezas, e levá-la para onde as ações possam fazer efeito. É preciso decidir se o problema será resolvido com método ou se ficará no discurso, aguardando o próximo ciclo de aumento na curva de desmatamento ilegal que virá junto com a próxima crise, nesse ou em outro governo.
Vamos faturar politicamente com o desmatamento ilegal ou vamos combatê-lo?
Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo e diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
Fonte da Notícia
Athenagro