Aumento da produtividade na pecuária é realidade ou propaganda?

Após revisar os dados históricos em sua base, a Athenagro reafirma a confiança na metodologia adotada para embasar os números da pecuária brasileira

Em diversos trabalhos apresentados, abordamos o avanço da produtividade da pecuária ao longo dos anos. Dada a projeção de alguns estudos conduzido por aqui, temos sido constantemente questionados sobre nossas conclusões e dados que apresentamos.

A partir do cruzamento de dados oficiais com outros estudos e pesquisas, analisamos o ganho de produtividade da pecuária para chegar à afirmação, por exemplo, de que o aumento da produtividade entre 1990 e 2019 foi próximo de 170%, evitando que houvesse o desmatamento de outros 270 milhões de hectares.

O raciocínio é simples e o número é obtido a partir do cálculo da área que seria necessária para produzir a mesma quantidade atual de carne com o nível de produtividade de 1990.

Embora a Athenagro mantenha essa análise anualmente, a primeira iniciativa partiu do pesquisador da Embrapa, Geraldo Martha Jr, que usou os dados censitários para defender a conclusão de que o crescimento da pecuária nos últimos anos é explicado pela produtividade e não pelo aumento da área. Nesse caso, no entanto, é fundamental que se trabalhe com dados censitários ou obtidos a partir de metodologias rigorosas de pesquisas. Por essa razão que não há uma atualização frequente.

Na Athenagro, atualizamos anualmente as bases e mantemos uma divulgação frequente das conclusões próximas às obtidas por Martha Jr.

É natural que haja questionamentos por parte de clientes ou usuários de publicações contratadas, como é o caso do Perfil da Pecuária Brasileira, editado anualmente pela Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne).

Para defender as nossas análises, resumimos o histórico do rebanho nacional pelos Censos Agropecuários realizado ao longo de 100 anos.

Em 1920, o rebanho brasileiro totalizou 32 milhões de cabeças, crescendo até 153 milhões de cabeças identificadas no Censo de 1995.  Depois de uma queda observada no Censo de 2006, o rebanho voltou a subir para 172,7 milhões de cabeças em 2017. Vale lembrar que o Censo de 2006 gerou muitas dúvidas e questionamentos explicados por diversos fatores.

Até 1995, a diferença de rebanho entre os dados do Censo e da PPM (Pesquisa Pecuária Municipal), ambos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), era pequena, em torno de 6 milhões de cabeças em um ano que foram abatidas 17,6 milhões de cabeças no mercado formal e, provavelmente, outras quase 7 milhões no mercado informal. Portanto, o erro era insignificante podendo ser atribuído à diferença entre o momento da coleta dos dados durante o ano.

Em 2006 a diferença entre os dados saltou para 61 milhões de cabeças, gerando muita confusão nas análises. O abate total estimado em 39 milhões de cabeças (30,4 milhões no mercado formal) não justificava a diferença. Em 2017 o Censo retomou a curva de crescimento do rebanho e a diferença entre os dados obtidos por ambos os critérios caiu para 42 milhões de cabeças, com a Pesquisa Pecuária Municipal marcando um rebanho de 215 milhões.

Apesar da grande divergência entre os dados de 2017, algumas particularidades começaram a ser compreendidas. O abate do ano estimado em 44 milhões de cabeças explica apenas parte dessa diferença, embora o número total coincida com ela. Em relatório divulgado pelo IBGE, o instituto lembra também que os períodos de coleta do censo e da PPM são diferentes. Os dados da PPM referem-se aos animais presentes no rebanho no dia 31 de dezembro de cada ano, ou seja, período de safra em que o rebanho naturalmente tende a ser maior.

Outro fator precisa ser levado em consideração. O rebanho brasileiro tem sido abatido cada vez mais jovem com o aumento do peso médio da carcaça. Os estoques de animais improdutivos com idade mais avançada também foram reduzidos. No campo, o termo usado para os animais mais velhos é “erado”, ou seja, com mais “eras” ou anos de idade.

Há uma tendência que os estoques relatados pelas fazendas brasileiras tenham mantido eras de animais que já não existem mais.  A explicação para isso é o critério para cálculo do grau de eficiência de exploração da terra, vigente para fins de avaliação da produtividade do imóvel rural.

Ao invés da produtividade, o critério se baseia em ocupação por unidade animal. E a classificação do peso médio do animal, ou seja, a sua conversão entre cabeça e unidade animal é feita pela idade. Pelo critério adotado, e considerando as regiões de maior concentração pecuária, o estoque médio de uma fazenda que termina todos os machos abaixo dos 36 meses de idade será avaliado com índices de produtividade 25% menores do que fazendas que abatem animais acima dos 36 meses.

A situação piora ainda mais em fazendas que abatem animais com até 24 meses. Nesse caso, a produtividade média do rebanho será considerada 50% abaixo da situação que abate animais com mais 36 meses de idade.

Até 1995 essa diferença não era perceptível, visto que o índice médio de produtividade da pecuária era mais baixo, fazendo com que os estoques realmente tivessem animais com mais de 36 meses na maior parte das fazendas.

À medida que a pecuária evoluiu, essa diferença foi ganhando importância, criando uma enorme falha estatística do rebanho brasileiro. Grande parte dos produtores, orientados em suas regiões, mantiveram os estoques informados às respectivas secretarias para evitar a desapropriação.

Quando todos os fatores são avaliados, é possível compreender melhor a dinâmica do rebanho brasileiro. Sendo assim, o tamanho real do rebanho brasileiro tende a estar mais próximo do valor obtido pelo Censo do que o obtido pela pesquisa pecuária municipal (PPM).

No entanto, para divulgação, a maior parte das organizações, privadas e estatais, continuam adotando o rebanho publicado pela PPM, pelo fato de serem divulgados anualmente, abrangendo todos os municípios.

Ainda assim, seu uso em análises requer muitos cuidados para evitar que conclusões incorretas embasem decisões que tendem a ser igualmente incorretas. Um dos exemplos atuais é a quantidade de estudos sobre degradação de pastagens que usam a relação entre rebanho da pesquisa pecuária municipal e área de pastagem estimada para o município. Trata-se de um equívoco que leva a uma conclusão que pode até estar certa, mas essa assertividade será aleatória e não obtida a partir de um método confiável.

Voltando ao histórico dos Censos, as áreas de pastagens começaram a ser acompanhadas a partir do segundo levantamento, realizado em 1940, quando foram contabilizados 88,4 milhões de hectares de pastagens no Brasil.

Para evitar confusões e polêmicas desnecessárias, é bom lembrar que o avanço da sociedade para o interior do Brasil foi possibilitado pela pecuária. Vale sempre repetir o que os números mostram desde sempre. A pecuária nunca foi dependente do desmatamento. Por outro lado, a consolidação das áreas desmatadas sempre foi dependente da pecuária, atividade que podia se manter e a produção podia se movimentar na ausência completa de infraestrutura.

Portanto, embora a área total de pastagens presente no mesmo ano nunca tenha passado dos 192 milhões de hectares, estimados entre 1985 e 1995, é provável que cerca de 230 milhões de hectares tenha sido pastagem em algum momento. Por isso há tanta confusão nas estatísticas.

A estimativa de áreas de pastagens, acima da observada nos Censos, é obtida a partir de estatísticas de desmatamento e indicadores da pesquisa pecuária municipal.

As áreas que já foram e não são mais pastagens acabaram sendo repassadas para outras atividades agrícolas, desconsiderando as áreas em integração, ou então foram perdidas por degradação, iniciando o processo de regeneração. Pela comparação entre as diversas fontes – IBGE, Inpe, Conab e Embrapa – a Athenagro estima que, a partir de 1990, cerca de 50 milhões de hectares tenham entrado em regeneração. Ou seja, foram degradados.

Independentemente das discussões em torno dos dados censitários, a metodologia adotada permite identificar uma curva de tendência coerente com os avanços na pecuária nacional. A relação entre número de cabeças e áreas de pastagens mostra o ganho inexorável no aproveitamento das áreas.

É fato que há um rejuvenescimento dos animais do rebanho, otimizando os estoques entre os levantamentos de 1995 e 2017. No entanto, essa redução na idade não implica em redução do peso médio do rebanho nesse período.

Buscando dados da pesquisa trimestral, também divulgada pelo IBGE, percebe-se que, entre 1995 e 2017, o peso médio do animal abatido (entre machos e fêmeas) aumentou 2,18@ por cabeça, equivalente a cerca de 65 kg de peso vivo. Infelizmente, os dados de abate estão disponíveis apenas a partir de meados da década de 1990. Ainda assim, é possível compará-los junto com ambos os Censos para avaliar o grau de evolução da pecuária brasileira nesses quase 30 anos de consolidação do Real.

Usando apenas dados oficiais, observe que os níveis de produtividade estão coerentes com os estudos publicados pela Athenagro.

E outra informação é fundamental para compreender o processo de evolução tecnológica na pecuária. A ocupação média em cabeças por hectare aumentou 34% nesse período, enquanto a produção por hectare saltou 147,4%.

Essas informações, extremamente relevantes e disponíveis publicamente por fontes estatísticas oficiais, estão sendo sumariamente ignoradas em estudos que projetam impacto negativo da produção de carne bovina ao meio ambiente. É preciso rever as premissas de tais estudos e conclusões.

Embora não haja disponibilidade de informações oficiais sobre a produção animal, é possível avaliar o desempenho da ocupação em cabeças por hectare entre 1940 e 2017.

No período de quase 80 anos, a área de pastagens aumentou cerca de 70%, enquanto o rebanho avançou 400%. A ocupação em animais por hectare em 2017 é 3 vezes maior do que era em 1940.

Após essa revisão dos dados históricos em nossa base, atendendo demanda por esclarecimentos, a Athenagro reafirma a confiança na metodologia adotada para embasar os números históricos da pecuária brasileira.

Por mais sofisticada que seja, qualquer iniciativa que tenha a pretensão de revisar o histórico de uso da terra no Brasil precisa se fundamentar cientificamente para contestar o que se conhece sobre o campo. Por mais falhos que os dados históricos censitários possam ser, seus resultados não foram construídos por amadores e há uma coerência entre o observado ao longo de oito décadas e toda a evolução macroeconômica do país.

As ferramentas de monitoramento via satélite são muito bem vindas e estão aprimorando o conhecimento sobre a agropecuária brasileira. Mas é preciso saber até onde tais ferramentas permitem análises exatas e em qual momento tornam-se estimativas para a elaboração de séries históricas.

Não se trata de negar a ciência. Trata-se de não aceitar que teses sejam impostas no grito, em nome de resultados questionáveis.

Se os dados que se contrapõem aos Censos estão corretos, qual é a dificuldade em explicar, de maneira objetiva, a natureza dos erros históricos nos levantamentos do IBGE?

Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo e diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

Fonte da Notícia
Athenagro

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