Athenagro / Maurício Nogueira: Menos de 1% da carne exportada à UE estaria “contaminada” por desmatamento

São Paulo, 24/07/2020 – No máximo 1%, ou talvez nem isso, da carne exportada pelo Brasil à União Europeia pode ser proveniente de fazendas desmatadas ilegalmente nos biomas Cerrado e Amazônia, citou o sócio-diretor da consultoria Athenagro, Maurício Palma Nogueira. O consultor, promotor do Rally da Pecuária – expedição que percorre anualmente as regiões produtoras de gado de corte do País -, chega a essa conclusão no artigo “Exportações do agronegócio estão mesmo contaminadas pelo desmatamento?”, divulgado ontem pela consultoria.

O texto de Nogueira contesta alguns pontos de um estudo divulgado na semana passada na revista Science e que rendeu bastante polêmica. O trabalho, intitulado “As maçãs podres do agronegócio”, coordenado pelo professor Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e publicado na renomada revista científica, estima que cerca de 20% da soja e pelo menos 17% da carne produzidas na Amazônia e no Cerrado e exportadas para a União Europeia estejam “potencialmente contaminadas” com desmatamento ilegal.

Embora Nogueira reconheça que o estudo seja “embasado” e que “os resultados confirmam o posicionamento do agronegócio em relação ao desmatamento: uma minoria responde por praticamente toda a ilegalidade”, ele contesta a metodologia utilizada por Rajão e equipe. “É fundamental ressaltar que a metodologia é insuficiente para quantificar a contaminação das exportações de carne (do Brasil à UE).”

Para identificar propriedades ilegalmente desmatadas, Rajão utiliza informações obtidas até o ano de 2017, tendo como base as propriedades rurais inseridas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), além de dados de desmatamento reunidos por imagens de satélite e rastreabilidade de produtos agropecuários efetivada por ONGs especializadas nisso. Nogueira cita que o estudo da Science não considera, nos dados do CAR, as propriedades que se inseriram em algum programa de regularização ambiental (PRA) – previsto no Código Florestal – e que, portanto, não estariam mais atuando na ilegalidade, conforme também citou em artigo na semana passada o consultor Roberto Mendonça de Barros, da consultoria MB Agro.

“Os dados foram obtidos em 2017, o que reforça a ressalva feita pela MB Agro”, diz Nogueira. “Além de não ter sido considerada a possibilidade de planos de adequação até 2017, há ainda outros dois anos e meio de mudanças que podem ter ocorrido na condução das propriedades ou mesmo no compliance dos exportadores.”

O principal problema, entretanto, está na metodologia empregada na mensuração dos animais abatidos no Cerrado e na Amazônia, cuja carne foi destinada ao bloco europeu. Sob este aspecto, Nogueira qualifica como “temerária” a conclusão do estudo da Science. “Na questão da relação entre os imóveis (detectados no CAR) e a quantidade exportada, as contaminações sugeridas pelo estudo são ainda mais temerárias”, diz o consultor.

Rajão calculou a porcentagem de carne bovina “contaminada” com potencial desmatamento ilegal dividindo o total de cabeças abatidas em propriedades envolvidas, desde 2008, com algum nível de desmatamento. Em seguida, ponderou o abate com as exportações por município, resultado multiplicado pelo total de carne exportado para a Europa. Além disso, utilizaram-se as Guias de Trânsito Animal (GTA), e estimativas de outros estudos.

“Pelos próprios dados disponíveis, porém, teria sido possível separar os frigoríficos exportadores dos demais, recalculando o potencial de contaminação”, observa Nogueira. Para ele, o fato de não se discriminar individualmente o gado exportado para a União Europeia com daquele abatido para outros mercados acaba distorcendo negativamente o resultado. O consultor lembra, ainda, que apenas os frigoríficos que atuam sob inspeção federal (com o selo SIF) são autorizados a exportar e deveriam, por isso, ser separados no estudo. “Essa diferença em ambos os Estados (Mato Grosso, no cerrado, e Pará, na Amazônia) precisaria ser considerada”, adverte o consultor da Athenagro.

Outro indicador que ficou de fora e que seria importante constar no estudo é a diferença de peso de carcaça entre os animais abatidos para exportação e aqueles destinados a frigoríficos que só trabalham com o mercado doméstico. Para Nogueira, o peso dos animais de exportação geralmente é maior, de onde se conclui “que as unidades com SIF recebam animais originados de sistemas mais tecnificados, seja pelo peso médio de terminação, seja pela participação de fêmeas ou animais de baixa qualidade final no abate”. Por aí é possível inferir, segundo Nogueira, que propriedades exportadoras e mais tecnificadas tenham maior zelo quanto à legalidade ambiental em relação aos sistemas mais tradicionais, o que contribuiria para reduzir a porcentagem de “contaminação” pelo desmatamento na carne exportada à UE.

Como a Athenagro não teve acesso às GTAs – que são considerados dados sigilosos e protegidos por lei -, o que impede a consultoria de “refazer todos os passos do estudo”, Nogueira discute a premissa “sabidamente equivocada” de que o índice de contaminação de propriedades que desmataram “seja igualmente distribuído entre todos os frigoríficos e abatedouros com diferentes sistemas de fiscalização (municipal, estadual e federal)”. “Sabe-se que essa premissa é equivocada pelo fato de que todas as pressões de ONGs, compradores e Ministério Público Federal se concentram apenas nas unidades exportadoras dos frigoríficos com fiscalização federal”, cita Nogueira. “Apenas o ajuste do peso médio da carcaça e do tipo de fiscalização já reduziria o total de carne contaminada por
desmatamento em 17% do que foi considerado no estudo. E de toda a produção fiscalizada com abate federal, somadas entre os anos de 2016 e 2017, apenas 20,7% foram exportadas.”

Ele diz ainda que se se desconsiderassem todo o monitoramento exigido por clientes, Ministério Público e sociedade civil e assumindo-se que os exportadores fossem tão negligentes a ponto de não operar com um mínimo de cuidado a mais do que toda a estrutura de abate de ambos os Estados, “o potencial máximo de contaminação nas exportações da região para a Europa seria de 41,6% do total embarcado por Mato Grosso e Pará, juntos”.

E continua: “Como a região representou, em 2016 e 2017, apenas 22% das exportações para a comunidade europeia, o potencial máximo de contaminação por desmatamento da carne enviada aos europeus, considerando-se todas as premissas e negligência nas análises de dados disponíveis, seria de apenas 9,7%”.

Por fim, Nogueira cita que o estudo avalia o potencial de “contaminação” da carne exportada pelo desmatamento a partir dos fornecedores diretos e indiretos de gado para o frigorífico e sua relação com as exportações totais de carne bovina do País. “Nesse caso, no máximo, o potencial de contaminação da carne exportada pelo Pará e Mato Grosso juntos seria de 8,3% do total enviado à Comunidade Europeia. Em relação à contaminação das exportações brasileiras totais para a Europa, o máximo seria 0,77% do que é exportado”, diz o artigo. “Desconsiderando as ressalvas e aceitando as estimativas que poderiam ter sido substituídas por métricas, o máximo de responsabilização que o agro poderia receber pelas suas ‘maçãs podres’ seria pouco menos de 1% dos embarques de carne para a Comunidade Europeia”, diz Nogueira, e questiona: “Vale todo o barulho e desgaste para a imagem brasileira?”.

Fonte da Notícia
Broadcast Agro – Tânia Rabello

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