Oferta baixa de animais, por causa da seca, aliada ao desaquecimento do consumo, reduziu margem de lucro e já fez empresas fecharem.
Anna Carolina Papp – O Estado de S. Paulo
A baixa oferta de animais tem levado os preços da arroba do boi gordo a níveis recordes. A valorização, somada ao desaquecimento do mercado interno e à queda na demanda de grandes importadores, esmagou as margens da indústria frigorífica, ameaçando empresas de pequeno porte, que já começam a fechar as portas. Por outro lado, o aumento de custos, que vinha sendo parcialmente represado, começa a ser chegar ao comércio e à mesa dos brasileiros.
Na última quinta-feira, o Indicador Esalq/BM&FBovespa do boi gordo no Estado de São Paulo bateu a máxima histórica de R$ 149,93 por arroba (equivalente a 14,689 quilos). Em 12 meses, a alta é de mais de 20%. No mercado futuro, os contratos de boi gordo na BM&FBovespa com liquidação para outubro já indicavam arroba cotada acima de R$ 160.
A disparada nos preços decorre, sobretudo, da oferta escassa de animais neste ciclo. “A seca que tivemos no ano passado reduziu o peso médio da carcaça e afetou o processo de cria”, diz Sergio De Zen, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP. “O resultado foi boi em menor quantidade e de pior qualidade.”
A valorização da arroba corroeu as margens de comercialização da indústria frigorífica, uma vez que a compra do boi responde por mais de 80% do custo dessas empresas. “A margem bruta, representada pelo indicador comparativo entre os preços da carne desossada sobre o preço do boi gordo, recuou da faixa dos 15% a 20% para cerca de 1,5% a 3% no início de 2015”, diz Maurício Nogueira, especialista em pecuária da Agroconsult. De acordo com levantamento da consultoria, a margem bruta de abril, de 1,78%, foi a menor desde julho de 2008, quando o indicador ficou negativo em 5,53%.
O impacto é maior nos frigoríficos de pequeno porte, como os que não exportam. “Os frigoríficos no momento representam o elo mais impactado pelo cenário. Colocando tudo na balança, explicam-se as notícias de férias coletivas, demissões, fechamentos de unidades ou vendas para grupos maiores”, diz Nogueira.
Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, dois frigoríficos recentemente fecharam as portas e demitiram cerca de 800 funcionários: a Beef Nobre, em Campo Grande, e a Fribrasil Alimentos, em Caarapó, a 283 quilômetros da capital. Pelo menos duas outras empresas podem ter o mesmo destino, segundo fontes do setor.
As atividades da Fribrasil foram suspensas no fim de março e 500 funcionários foram demitidos. Já a Beef Nobre encerrou o abate na última sexta-feira. Procuradas pelo Estado, as empresas afirmaram que não havia ninguém disponível para comentar o caso.
“Os frigoríficos grandes têm muitas alternativas: conseguem abater em outros Estados e trazer para São Paulo a um custo menor e fazem contratos a termo”, diz Alex Lopes, analista da Scot Consultoria. “Já os pequenos não têm essa opção e acabam tendo de comprar na cotação diária do boi, e isso acaba prejudicando e pressionando muito essa indústria – fechamentos e vendas, como já aconteceu em outros anos.”
Demanda. Além da oferta escassa, que deve manter o preço em patamares elevados ao longo do ano, a outra ponta, a demanda, também é motivo de preocupação. O mercado interno, que representa 80% do consumo da produção bovina do País, está desaquecido.
Já as exportações brasileiras, embora beneficiadas pela alta do dólar, caíram 17,6% em volume e em receita no primeiro trimestre na comparação com o mesmo período em 2014, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). “Grandes importadores, como Rússia e Venezuela, foram impactados pela queda nos preços do petróleo, pois dependem dessas receitas, e tiveram de renegociar contratos”, diz Lopes, da Scot.
Para Nogueira, da Agroconsult, o recuo da demanda no mercado externo é passageiro. “Acreditamos que os efeitos na queda das exportações sejam pontuais, pois a baixa observada em janeiro e fevereiro está sendo comparada com os resultados do mesmo período de 2014, que tiveram aumentos significativos e acima da média nas exportações”, diz.
A Rússia, segundo maior importador de carne bovina brasileira em 2014, atrás de Hong Kong, chegou a figurar em fevereiro como o quinto destino. Em março, no entanto, melhorou de posição e aumentou suas importações em quase 50%, para 17 mil toneladas. Segundo analistas do banco Rabobank, em relatório trimestral, “o desenvolvimentos da situação na Rússia será uma questão-chave para as exportações de carne brasileira neste ano”.Fonte da NotíciaO Estado de S. Paulo