A evolução da área de pastagens no Brasil

Dentre as análises produzidas pela equipe Athenagro, o gráfico mais replicado é o que ilustra a evolução da área de pastagens do Brasil comparada com o avanço da produtividade.

Por Maurício Palma Nogueira*

Dentre as análises produzidas pela equipe Athenagro, o gráfico mais replicado é o que ilustra a evolução da área de pastagens do Brasil comparada com o avanço da produtividade. Na figura 1, os dados estão atualizados até 2018.  

Figura 1.

Acompanhamento da área de pastagens e da produtividade

Essa análise começou a ser apresentada em 2010 nos relatórios dedicados aos clientes de consultoria. Era elaborado a partir dos dados do censo e da pesquisa pecuária municipal (PPM), ambos do IBGE. Projetávamos a área de pastagens usando o índice de ocupação do censo, calculado pelo rebanho da PPM. Como a evolução era projetada, a curva do gráfico declinava suavemente, diferente do que está exposto na figura 1.  

A partir de 2016, a divulgação de dados do Lapig e do MapBiomas nos possibilitou melhorar a análise, tornando-a mais exata. A estimativa de pastagens melhorou significativamente, usando ambas as fontes para identificar a área atual ocupada pelas pastagens.

 Os dados históricos, por outro lado, deixam a desejar.

A série histórica do MapBiomas desconsidera áreas que deixaram de ser pastagens. Os dados podem induzir a dois erros básicos. O primeiro é sugerir que grande parte da agricultura não teria sido construída sobre área de pastagens. E o segundo é que desconsideraria o processo de degradação, como se o mesmo não existisse. Na prática, sabe-se que não é assim. 

Embora os dois últimos censos agropecuários (2006 e 2017) tenham gerado muitas dúvidas, dados censitários de anos anteriores apontam áreas de pastagens superiores ao que é registrado pela série histórica do MapBiomas. Em 1985 o censo indicava cerca de 180 milhões de hectares de pastagens. Para o mesmo ano, o MapBiomas registra apenas 95,8 milhões de hectares. Ainda que se some todos os biomas Pantanal, Pampas e Caatinga, chegar-se-ia a cerca de 125 milhões de hectares de pastagens, em um ano que o censo indicava 50 milhões a mais. Os dados do censo, quando errados, tendem a errar para baixo e não para cima.

Diante disso, internamente, chegamos à conclusão que todo o esforço do MapBiomas gera um dado atual confiável, muito próximo do que os indicadores apontam. Para a elaboração da série histórica, no entanto, é preciso rever os critérios e as metodologias, pois desconsideram grandes áreas que foram pastagens em algum momento.

Em 2017, ano de publicação do último censo, as áreas de pastagens de acordo com diversas fontes estão relacionadas na figura 2.

Figura 2.

Área de pastagens em 2017 de acordo com algumas fontes

A área do Mapbiomas é obtida a partir do Lapig, responsável pelo monitoramento das pastagens dentre as equipes que compõem o projeto. As áreas observadas em outras atividades são subtraídas das áreas de pastagens. Se algum outro grupo encontra alguma atividade em áreas que haviam sido alocadas como pastagens, prevalece a outra atividade.  

Isso ocorre pelo fato de que, no projeto MapBiomas, a área de pastagem é a base variável. Nesse caso, uma área em integração será considerada como área agrícola, e não pastagem. Algumas áreas de pastagens naturais, como os pampas, também não entram no cômputo do MapBiomas. Essas são basicamente as variáveis que explicam as diferenças entre o Lapig e MapBiomas. O critério tem lógica, visto que uma atividade que ocupa mais de 160 milhões de hectares é mais difícil de monitorar, além de ser mais exposta ao dinamismo de mudança no uso do solo.

A área de pastagens da Athenagro tem como base a área do Lapig com algumas revisões do MapBiomas, evolução da área agrícola (Agroconsult, Conab) e do processo de degradação das pastagens identificadas nas últimas edições do Rally da Pecuária e analisadas pela Agrosatélite. Para 2017, portanto, a área de pastagens estimada pela Athenagro era em 163,8 milhões de hectares, área que se reduz para 162,5 milhões de hectares em 2018.

Ao final de março, a Agroconsult revisou a série histórica da produção e produtividade agrícola, que gerou uma mudança na base. Essa mudança impactou uma alteração de 200 mil hectares no total da área de pastagem estimada para 2018. 

Na publicação “Perfil da Pecuária no Brasil”, produzida pela Abiec, por exemplo, a área de pastagem (dados de fevereiro) contará como 162,3 milhões de hectares, enquanto os dados atualizados em março totalizam 162,5 milhões de hectares.

Lapig e MapBiomas são duas iniciativas em constante desenvolvimento. Frequentemente atualizam as bases com a inserção de novos dados e também provocam alterações em nossas estimativas. Alterações nas bases de dados de qualquer uma das fontes será considerada e os dados da Athenagro serão revistos.

Série Histórica e processo de regeneração

Resolvido o desafio de estimar a atual área de pastagens, passamos à metodologia para construir uma série histórica que fosse confiável. Nesse processo, foram descartadas as bases do MapBiomas e do Lapig, fundamentais para estimar a área atual.

Partimos do pressuposto que toda área desmatada seria convertida em pastagem. Embora represente uma tendência, não implica em uma regra, mas será tratado assim na estatística. Se toda área desmatada é computada como pastagem, a área agrícola só poderá crescer sobre área de pastagem, para efeito de cálculo.

Identificamos a soma de todas as áreas dedicadas às culturas agrícolas e florestais e usamos a evolução dessas áreas para calcular o saldo anterior das pastagens. O mesmo critério usamos para o desmatamento. A fonte de dados das atividades agrícolas é a Agroconsult que, por usa vez, usa dados próprios, IBGE e Conab, enquanto a fonte de dados de desmatamento é o Prodes.

Retroagimos com estes dados da área conhecida atual até chegarmos a pontos conhecidos dos censos dos anos 1980 e 1990, cujos dados são mais aceitos. Ao executarmos essa metodologia, começa a surgir uma diferença considerável nas áreas. Essa diferença foi tratada como área em regeneração, ou a soma da área de pastagens degradadas.

Para testar essa tese, lançamos base de outras duas fontes de dados. A primeira é o Rally da Pecuária, cuja base não é de origem científica, embora a análise dos dados, por imagem de satélite, tenha sido usada em tese de doutorado de um dos sócios da Agrosatélite. A dinâmica de degradação, identificada nos pontos do Rally, e analisada por imagem de satélite, explicaria a diferença encontrada na série histórica construída pelo desmatamento e pelo avanço da agricultura. 

Mesmo assim, apesar da confiança na metodologia, a Athenagro buscou outra base de dados para calcular esse processo. É aí que entram os dados do Terraclass, publicados a cada dois anos pelo INPE. Terraclass e Rally da Pecuária são usados como pontos de controle da metodologia, ou seja, a área considerada como em processo de regeneração ou degradada precisa ser explicada por ambos os dados.  Se houver incoerências, é preciso rever a metodologia.

Indo até 1990, essa metodologia mostrou-se confiável, com perfeita harmonia entre as bases conhecidas e a evolução tecnológica na pecuária. O movimento a partir de 2007/2008 é muito didático e é corroborado com os investimentos em nutrição do rebanho e rápida expansão da terminação em confinamento.

Abrindo um parêntesis, diferente do que acontece nos Estados Unidos, o confinamento brasileiro é explicado pela melhoria do uso das pastagens. Não se trata de uma ferramenta de substituição das pastagens, mas sim de melhoria das mesmas.

A produtividade é simplesmente a produção total de carne do ano dividida pela área total de pastagens. Usamos a produção completa de carne bovina em carcaça. Consideramos o abate formal, informal e o abate de animais para consumo nas próprias fazendas, por metodologias que foram aprimoradas internamente. Optando-se por usar apenas o abate formal, o desenho da figura 1 seria praticamente o mesmo, mudando apenas os números da série produtividade.

No detalhamento das áreas de pastagens no Brasil, ainda lançamos os dados de recente pesquisa encomendada pela Rede Fomento de integração Lavoura e Pecuária.

Dessa forma, é possível construir a figura 3, estimando as áreas de acordo com os usos e suas condições.

Figura 3.

Detalhamento das áreas de pastagens em 2018

A campo, a análise da qualificação das áreas se baseia nos dados do Rally da Pecuaria, cujos resultados vem se repetindo anualmente desde 2011.

Observe que, por critérios diferentes, os dados “pastagens exclusivas em bom estado”, estimado pela Athenagro, chegam bem próximos da área de pastagem do MapBiomas 2017.

É fundamental ressaltar que mesmo que a agricultura não avance, a área de pastagens continuará se reduzindo. Isso ocorre pelo processo e degradação que, em quantidade, supera a capacidade da agricultura avançar.

A única maneira de frear esse processo, que impacta principalmente os menores produtores, é através do fomento de tecnologias de recuperação e manutenção das pastagens em superfície. Essa tem sido uma das principais bandeiras levantadas pelo Rally da Pecuária.

Polêmicas

Aprofundando-se nos dados, é possível chegar a várias conclusões que são consideradas polêmicas por sensacionalistas. Por exemplo:

-Entre 1990 e 2018 foram desmatados 39 milhões de hectares, enquanto 49 milhões de hectares encontram-se em algum estágio de regeneração. Para cada 1 hectare desmatado, outro 1,25 hectare está sendo regenerado.

– No mesmo período (1990 a 2018), 19,1 milhões de hectares foram convertidos de pecuária para agricultura.

Considerando o aumento de produtividade e as quantidades de carne bovina produzida em 1990 e em 2018, é possível concluir que a evolução na pecuária evitou, nesse período, que outros 253 milhões de hectares fossem desmatados.

Não se trata de opinião, mas sim de matemática aplicada aos números gerados pelas estatísticas oficiais e pesquisas financiadas, inclusive, por quem não admite essas conclusões.

Vale aqui relembrar a polêmica constrangedora criada há um ano. Ao questionar um artigo que inflava a área de pastagens para 230 milhões de hectares, alguns profissionais de universidades, ou que são responsáveis por gerir recursos destinados a essas pesquisas, reagiram ferozmente, buscando desmoralizar quem os havia questionado. Na época, apontávamos que a soma de todas áreas usadas pela agropecuária era de 240 milhões de hectares. Como as pastagens poderiam somar 230 milhões?

Ironicamente, um dos profissionais que reagiram deselegantemente, assinou um artigo em fevereiro último concluindo que toda a área da agropecuária brasileira ocupa pouco mais dos 240 milhões de hectares. Aparentemente, aprendeu a interpretar os dados que ele próprio ajudou a construir.

Ainda com relação às polêmicas, todos os dados que compõem a base que analisamos nos leva à distribuição da área brasileira de acordo com a figura 4.

Nessa análise, as fontes Embrapa e MAPA entram para imputar os dados de centros urbanos, corpos d´água, estradas, APPs e reserva Florestal. Em termos de uso agropecuários, os critérios são os descritos anteriormente.

Figura 4.

Distribuição das áreas do Brasil em 2018

Por essa metodologia, considerando as áreas em diferentes estágios de regeneração a partir de 2003, é possível apontar que, no mínimo, 67,3% do país está protegido. Sem a área em regeneração, são 64,9% integralmente protegidos, intactos.

Mesmo sendo obtidos por origens distintas, os dados confirmam as conclusões do pesquisador Evaristo de Miranda, da Embrapa.  Este, por sua vez, é constantemente criticado, inclusive pelos mesmos profissionais que protagonizaram a deselegante polêmica do ano passado.

Somando todos os produtos de origem vegetal e animal, de 2003 a 2018 (15 anos), os produtores brasileiros aumentaram a produção em 500 milhões de toneladas numa área com quase 10 milhões de hectares a menos. A produtividade aumentou 84% no período, resultado de dedicação e ousadia na implementação das técnicas mais modernas de produção no campo.

Tabela 1

Evolução da produção agropecuária total (vegetal e animal), área ocupada e produtividade do Brasil entre 2003 e 2018

Essa é a realidade da agropecuária brasileira. Dependendo dos critérios ou das fontes de dados, os números podem até divergir, mas as proporções seguirão exatamente o que está exposto aqui.

* Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, sócio e diretor da Athenagro

Fonte da Notícia
Athenagro

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