A ciência precisa ser sustentável

A produção científica adotada a campo também foi questionada. Ao invés da soberba, os pesquisadores responderam com dados, por meio de métodos, repetições, revisões bibliográficas e difusão do conhecimento. Não impuseram seus resultados pela autoridade, mas sim pela demonstração.

Alguns pesquisadores e celebridades reclamam a propriedade sobre temas relacionados à sustentabilidade. Suas conclusões e opiniões não podem ser contestadas, mesmo que não conversem com a realidade do campo e tampouco com os resultados de pesquisas anteriores sobre o mesmo assunto.

Estes autores conduzem estudos e elaboram recomendações de forma parcial, sem contar com o conhecimento acumulado na academia especializada no tema e na experimentação a campo. É frequente a negligência de informações básicas sobre pecuária, o que leva à elaboração de estudos com erros grosseiros em suas conclusões. Não são os resultados que estão sendo questionados, mas sim a metodologia e os dados que foram usados. São inúmeros os casos.

Alertar os autores sobre tais falhas é considerado ofensa. Se unem a outros, agressivamente, com o objetivo de desqualificar aquele que ousou questionar algum dado. Do alto de seus currículos e de suas inúmeras publicações em revistas científicas, não hesitam em intimidar e humilhar qualquer contestação daqueles que vivem o setor. É irônico pois tal conduta afronta a própria definição da construção do conhecimento científico.

A propósito, fazer crer pela força da autoridade não é bem uma prática da ciência, mas sim da religião. E foi também a religião, em seus piores momentos, que queimou aqueles que ousaram explicar a realidade sob uma ótica diferente. A conduta de alguns especialistas que estudam temas relacionados à sustentabilidade está mais próxima da imposição do conhecimento pela autoridade do que pelo método de construção. A diferença é que hoje as fogueiras são metafóricas, morais, desqualificantes.

É triste ver pesquisadores, através de cartas assinadas em conjunto, defendendo que a contra argumentação só é válida se publicada em revistas científicas. Será que perceberam o grau de soberba implícito nessas colocações? Está aí outra ironia, visto que a filosofia nos ensina que, quanto maior o nível de conhecimento de um indivíduo, mais ampla será a sua noção do universo de assuntos que ignora. Em outras palavras, o conhecimento científico é antagônico à arrogância. Ambos não se encaixam no mesmo indivíduo.

E a preocupação com a conduta atual é ainda maior quando a ciência passa a negligenciar outra particularidade da construção do conhecimento. Usam a simpatia da mídia a seu favor, desencorajando que outros questionem seus resultados, o que garantiria a qualidade e a aplicabilidade do que é produzido na academia. Quantos estão dispostos a enfrentar o ódio das redes sociais simplesmente por questionarem estudos mal conduzidos? Vale a pena ou é melhor ficar em silêncio?

Para defender suas posições, partem do pressuposto que um estudo falho nunca seria publicado em uma revista de alto nível, como a Science, por exemplo. Será mesmo? É possível fazer ciência, defender um método, publicar um dado simplesmente desconsiderando a existência de conhecimento sobre determinado tema.

Quantos revisores de revistas internacionais, especializados em modelagem, são capazes de analisar a disponibilidade de informações estatísticas sobre pastagens no Brasil? Quantos conhecerão a curva de aumento do peso médio da carcaça do bovino ao avaliar um artigo científico sobre modelagem que projeta um desmatamento nos próximos 20 ou 30 anos? Quantos revisores terão condições de saber como funciona a estrutura fundiária do país e sua influência no fluxo de animais entre os produtores?

Será que em um mundo totalmente digitalizado e saturado de informações disponíveis não seria a revisão bibliográfica a parte mais importante de um estudo? Uma produção científica, que ignora e desconsidera a ciência preexistente sobre o mesmo tema, pode ser considerada uma produção honesta de conhecimento?

Em uma das cartas recentemente publicadas, pesquisadores signatários defendem que a ciência precisa ser ancorada também em ética e lembram que o agronegócio brasileiro só chegou onde está pela aplicação da ciência. É verdade.

Mas, na mesma carta, os autores se contradizem ao afirmarem que as críticas a determinado estudo sejam “especulações e inverdades”, sendo que tais críticas foram embasadas justamente no conhecimento científico que possibilitou o agro chegar onde chegou. E esse conhecimento científico, adotado a campo, também foi questionado. Ao invés da soberba, os pesquisadores responderam com dados, por meio de métodos, repetições, revisões bibliográficas e difusão do conhecimento. Não impuseram seus resultados pela autoridade, mas sim pela demonstração.

O conhecimento acadêmico foi difundido e conduzido a campo por profissionais que não pesquisam, mas compreendem os resultados da ciência e os implementam com sucesso em suas rotinas.

Será que os autores negam que serão estes os profissionais que replicarão e garantirão a gestão do que é produzido pela pesquisa? Entendem que a pesquisa prática, sem aplicabilidade, de nada valerá?  E estes profissionais não teriam condições de avaliar a complexidade de temas que estão sendo propostos de forma simplista, resumida, insuficiente?  Para que serve as universidades se justamente os pesquisadores que lá ensinam desqualificarão no futuro o direito de seus egressos contestar erros grosseiros conduzidos em pesquisas?

O conhecimento ensinado nas universidades é embasado na ciência. Essa ciência, aplicada às práticas do dia a dia, gera demanda por mais conhecimento científico que será novamente aplicado. A produção de conhecimento nunca termina.

Defender a ideia de que o debate sobre o conhecimento só será legitimado por publicações em revistas científicas é uma postura egocêntrica. Chega a ser até infantil acreditar que a complexidade do mundo tenha que se adaptar às suas próprias realidades.

Qual é o objetivo da ciência, afinal? Produzir conhecimento ou gerar mídia? Qual é a razão de convidarem artistas totalmente leigos nos assuntos para discuti-los enquanto negam o debate aos técnicos que atuam na área? Seria essa a razão do surgimento de algumas expressões como “melhor ciência”, “ciência robusta” e “boa ciência”.

Boas soluções nunca serão propostas a partir de um conhecimento que marginaliza e desqualifica exatamente os profissionais responsáveis por implementar todos os avanços científicos do agronegócio.

A ciência precisa ser suficientemente conclusiva para se sustentar pela própria produção. Se o resultado é defensável do ponto de vista metodológico, qual o sentido de desqualificar quem os critica?

Não existe melhor ciência e pior ciência. O que existe é a ciência e a não ciência. E é fácil reconhecê-la. A ciência defende-se por si, não precisa de carteiradas e nem de intimidação.

Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo e diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

Fonte da Notícia
Athenagro

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