Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.
O preço médio da carne bovina ao consumidor aumentou 27,8% desde agosto de 2024, de acordo com dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), de São Paulo. Com isso, a carne passou a ganhar destaque como uma das vilãs da inflação. Os motivos da alta nos preços são consequência da oferta e demanda.
Em 2024, o Brasil registrou recorde nas exportações, embarcando o equivalente a 32% do que foi produzido no país. O total de carne bovina exportado foi de 2,87 milhões de toneladas. Convertendo em carne com osso, representa 3,78 milhões de toneladas de equivalentes carcaças, 25,4% a mais do que o exportado no ano anterior.
E não faltou carne para a população. Ao mesmo tempo em que os embarques aumentaram em 750 mil toneladas de equivalentes carcaças, a produção formal avançou 1,57 milhão de toneladas, ampliando a disponibilidade de carne no mercado interno. Em 2024, foram ofertadas 820 mil toneladas a mais aos brasileiros.
Esse aumento na produção começou em 2022, derrubando os preços do boi. E o impacto disso foi grande: a queda nominal nos preços médios aos produtores, no ano de 2023, foi a maior registrada no período posterior à consolidação do Plano Real. Os produtores perderam quase 20% nos preços recebidos, um considerável impacto numa atividade de margens estreitas.
Para os consumidores, os efeitos do campo demoram um pouco mais a chegar, mas eles chegam. De agosto de 2022 a setembro de 2023, o preço da carne na gôndola recuou 16% e permaneceu no mesmo patamar por mais 12 meses, até agosto de 2024, quando iniciou o novo movimento de alta.
Nos primeiros meses de 2024, os consumidores brasileiros tiveram acesso a uma quantidade de carne 25% maior que no mesmo período do ano anterior. Com preços favoráveis, o apetite do consumidor manteve-se alto durante todo o ano, fazendo com que a demanda permanecesse aquecida.
Nos últimos quatro meses de 2024, a produção começou a recuar, em consequência da sazonalidade da produção. O abate mensal de animais diminuiu 7% no período, em relação à média dos meses anteriores, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Diante do aquecimento das demandas interna e externa, os efeitos foram inevitáveis. De agosto de 2024 a fevereiro de 2025, a cotação do boi gordo avançou 38,7%, sinalizando que a carne pode subir um pouco mais.
Até aqui, apenas um resumo dos fatos. O que importa é saber quais são as perspectivas para os próximos meses.
Para tanto, é essencial entender o que explica o recorde de produção em 2024. Neste ponto, as análises de mercado não encontram consenso.
Há quem defenda que o aumento de 17,5% na produção formal tenha sido consequência do excedente de matrizes (vacas reprodutoras) abatidas no ano, comportamento típico de fases de baixa nos ciclos de preços pecuários. Nessas fases, desestimulados pelos baixos preços e precisando reforçar o caixa, os responsáveis por produzir os bezerros desmamados acabam enviando as matrizes para o abate, aumentando a oferta e pressionando ainda mais os preços.
Num segundo momento, faltam bezerros, pois grande parte das fêmeas que poderiam gerá-los não está mais presente no rebanho. Com a falta de animais, a oferta de carne se reduz, levando ao aumento significativo de preços.
Se a explicação for realmente essa, o cenário é preocupante.
As exportações sinalizam bons resultados em 2025. As estimativas para o aumento da quantidade de carne bovina a ser exportada no ano oscilam entre 2%, nas projeções mais pessimistas, até 12%, nas mais otimistas.
A última vez que a pecuária reteve fêmeas em grandes proporções, entre meados de 2018 e agosto de 2022, ao mesmo tempo que as exportações cresciam, os preços de carne no mercado interno subiram 85%.
No entanto, nem todos concordam com essa explicação. Parte dos estudiosos do mercado acredita que a oferta aumentou em razão da produtividade. Defendem seus pontos de vista a partir da análise detalhada do abate e dos indicadores técnicos nas fazendas.
Até o momento, os dados completos de abate estão disponíveis até setembro de 2024. Nos primeiros nove meses do ano, a quantidade de animais abatidos alcançou 4,76 milhões de cabeças a mais do que o mesmo período de 2023. Nesse total, a quantidade de machos abatidos cresceu em 2,29 milhões de cabeças, enquanto o total de fêmeas adultas (acima de 24 meses) aumentou 1,49 milhão de cabeças.
O abate de novilhas (fêmeas abaixo de 24 meses) avançou 970 mil cabeças na comparação com o mesmo período. Essa categoria representou 13,8% do total de animais abatidos, sendo que a média histórica é de 7,8% do abate. As vacas adultas somaram 30,2% do abate e os machos, 56%.
Sendo assim, o que está sendo alardeado como um recorde no descarte de matrizes é, na verdade, um recorde da pecuária. Nesse caso, a resposta em produção de carne para os próximos meses tende a ser mais rápida quando comparada a outros períodos de inversão no ciclo de preços.
Também é preciso levar em consideração que as novilhas não abatidas, que permanecem no rebanho, levarão menos tempo para colocar novos bezerros no mercado, substituindo ou somando a quantidade de vacas disponíveis para cria. A pecuária parece estar pronta para responder em maior velocidade, o que pode limitar maiores altas nos preços aos consumidores.
Nesse cenário, qualquer interferência que venha a desestimular os produtores pode colocar a perder todos os ganhos recentes em produtividade, assim como ocorreu na Argentina.
Em março de 2006, os jornais noticiaram que o governo argentino restringiria as exportações de carne bovina para controlar a inflação no mercado interno. Em 2008 essa política de taxação das exportações, denominada de retenciones, foi ampliada significativamente.
Depois de um aparente sucesso dessa política, o resultado foi contundente: o consumo per capita, que era de 63 kg/pessoa/ano, antes da decisão, recuou para os atuais 45 kg per capita.
É preciso evitar que decisões mal formuladas sejam implementadas. A melhor forma de garantir carne acessível é aumentar a atratividade econômica da pecuária mais produtiva.
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Publicado na edição de 11/02/2025 do Jornal Valor Econômico
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