Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
É essencial que a discussão sobre os desafios dos sistemas agroalimentares, diante das mudanças climáticas, inclua a importância de atender as demandas por produtos agropecuários. Do contrário, não passará de exercício de retórica.
É aí que reside o grande desafio. A prática da agropecuária é, por si, uma atividade de impacto, visto que a paisagem natural é alterada para acomodar uma população com as mesmas espécies de plantas, dispostas de maneira artificialmente planejada. Se o impacto é inevitável, a questão a ser discutida é como minimizá-lo.
Do ponto de vista agronômico, a melhor forma é maximizar a quantidade produzida por hectare, evitando o avanço sobre novas áreas. Esse tem sido o esforço da ciência ao longo das últimas décadas com foco no aumento da produtividade. Grandes avanços foram obtidos com a chamada revolução verde, a partir da segunda metade do século XX.
Outro ponto de vista vem ganhando espaço, impulsionado pelo debate ambiental. Os adeptos defendem que a produção deve ser conduzida em um ambiente mais diversificado, evitando a monotonia na ocupação da área. Desconsideram, no entanto, que essa proposta implicaria em queda na produtividade, levando à abertura de novas áreas.
Insatisfeitos com essa explicação embasada em resultados obtidos pela ciência, sugerem a necessidade de mudar as bases da pesquisa agronômica. De acordo com eles, é preciso abandonar o foco no melhoramento de sementes, uso de fertilizantes minerais e agroquímicos para investir na adaptação das culturas aos ambientes naturais mais favoráveis e ao uso de bioinsumos. Embasam suas propostas na importância de unir a melhoria da saúde do solo com o atendimento das exigências das plantas. Parecem acreditar que a academia especializada e os profissionais do agro sejam alienados em relação à importância da diversidade, dos bioinsumos e da economia circular na produção. Estão equivocados.
Há anos, as pesquisas acadêmicas e experimentações nas fazendas brasileiras estão focadas na busca de soluções que possibilitem reduzir as quantidades – ou melhorar a eficiência – dos produtos industrializados. Mas os avanços são lentos.
É compreensível que leigos no assunto se frustrem diante dessa lentidão. No entanto, há razões que explicam a morosidade no processo.
Muitas destas soluções são de difícil adaptação por questões operacionais ou logísticas. E outras ainda estão sendo estudadas com o rigor exigido pelo método científico. Alguns produtos ou técnicas, cujos resultados são promissores, esbarram na baixa disponibilidade e nos custos elevados para produção. Outras, depois de estudadas, apresentam resultados aquém do que se esperava, o que as torna inviáveis comparativamente.
No Brasil, os sistemas agroalimentares se desenvolveram de forma diferente do restante do mundo. A tão discutida revolução verde seguiu um caminho particular no ambiente tropical. Dentre os diversos exemplos, é possível destacar alguns.
A área de plantio direto já está estimada em 42 milhões de hectares, economizando o uso de combustíveis fósseis e melhorando a biota presente no solo, que não é revolvido com frequência.
A estimativa da área com integração de pastagens e lavouras, ou florestas, está entre 13 e 17,5 milhões de hectares. Parte das dúvidas em relação ao número da integração se deve a outra prática cada vez mais adotada em escala no Brasil: o uso de plantas forrageiras (pastagens) para adubação verde entre as safras, atendendo a necessidade de investir em diversidade e melhoria das condições do solo.
E são justamente os investimentos na melhoria da qualidade do solo tropical que possibilitam aos brasileiros colherem mais de uma safra por hectare dedicado à agricultura.
O aproveitamento dos resíduos em confinamentos de gado no Brasil agregou um novo negócio às fazendas, movimentando o mercado de máquinas especializadas e a produção de bioinsumos com objetivo de aumentar a eficiência da disponibilidade dos nutrientes presentes no material.
O mercado de inoculação de sementes tem crescido ano a ano, assim como as demais linhas de produtos naturais que estão sendo estudadas e lançadas no mercado.
É importante entender que a adoção de bioinsumos é uma evolução no processo de produção, e não uma alternativa a ele. A ciência agronômica está proporcionando avanços constantes – e consistentes – para a produção no campo. E até o momento, as conquistas não foram poucas.
Considerando todas as culturas agrícolas, incluindo os produtos florestais e pecuários, o rendimento médio de cada hectare envolvido na produção aumentou 264% entre 1990 e 2023. Para obter a mesma produção atual com a produtividade de 35 anos atrás, seriam necessários 900 milhões de hectares, área maior do que a do próprio país.
Esse desempenho só pode ser mantido através da melhoria da qualidade do solo o que, entre outras características, implica em maiores quantidades de carbono acumulado.
Atualmente, toda a produção agropecuária brasileira acontece em cerca de 30% do total da área do país. E há potencial para melhorar ainda mais, visto que a implementação de altas produtividades na pecuária ocorre de forma mais lenta por razões inerentes às particularidades da atividade.
Analisando a produtividade de 5% dos pecuaristas mais produtivos dentro do público pesquisado a campo pelo Rally da Pecuária, é possível extrapolar que toda a pecuária brasileira poderia ser conduzida em apenas 9% da área de pastagens, tamanha a diferença tecnológica entre os mais produtivos e a média.
O objetivo de divulgar as conquistas da agropecuária brasileira não é massagear egos ou acariciar a alma, mas sim mostrar ao mundo o que dá para ser feito. Qual seria o benefício real para a sociedade global se países paupérrimos, localizados em regiões tropicais, passassem a adotar o modelo de produção brasileiro?
Se assim fosse, os ganhos econômicos e ambientais seriam consideráveis, sem contar o impacto no combate à pobreza e à fome. A experiência brasileira precisa ser difundida como tecnologia disruptiva.
Publicado no Valor Econômico.
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