Por: Tatiana Freitas.
Os recordes no número de abates e nas exportações de carne não são explicados apenas pelo ciclo pecuário. O setor se tornou mais produtivo nos últimos anos, graças à China
“O que a China fez pela sustentabilidade da pecuária brasileira nos últimos anos a Europa não conseguiu fazer em mais de 30 anos.”
Para o autor da frase, o agrônomo Maurício Palma Nogueira, um dos principais especialistas em pecuária do Brasil, os sucessivos recordes na produção de carne bovina também são resultado de significativos ganhos de produtividade, e não apenas consequências do ciclo pecuário — neste momento marcado pelo aumento na oferta de animais.
“Tivemos o quarto trimestre consecutivo de recordes no abate. É claro que há um aumento na oferta de fêmeas, mas ela está dentro da normalidade para o atual momento do ciclo. O nível de produtividade aumentou muito”, diz Nogueira, sócio da Athenagro consultoria, em entrevista ao The AgriBiz.
O especialista, que analisa a evolução da pecuária desde o início dos anos 1990, conta que os primeiros estímulos para a busca por maior produtividade surgiram com a estabilização da economia trazida pelo Plano Real a partir de 1994. “Assim como acontecia em toda a economia, os pecuaristas começaram a reduzir o nível dos estoques do campo”, lembra.
O movimento foi lento. Apenas por volta de 2010 alguns ganhos de produtividade começaram a ficar mais evidentes, com o descolamento de pecuaristas mais rentáveis dos demais. A grande virada ocorreu a partir de 2018, quando as importações chinesas começaram a mudar de patamar.
Entre 2018 e 2021, o gigante asiático enfrentou uma grande lacuna de oferta na proteína animal devido à peste suína africana, doença que devastou criações de suínos em todo o país. Além de grandes volumes de carne bovina, a China tinha um requisito específico para os exportadores: o gado que daria origem ao produto exportado precisava ser abatido com até 30 meses de idade.
Cumprir a exigência foi um desafio para o Brasil, onde a maioria dos bovinos era geralmente abatida acima dessa idade. Em Mato Grosso, por exemplo, no início dos anos 2010 mais de 40% dos animais eram abatidos com mais de 36 meses. Para atender aos importadores chineses, que pagavam um prêmio pela carne naquele momento, os pecuaristas buscaram animais mais novos, fazendo o preço dos bezerros disparar.
“O Brasil decidiu a focar nesse mercado e os pecuaristas começaram a limpar as fazendas”, conta Nogueira. Como resultado, o número de animais mais velhos como proporção do abate total diminuiu. Neste ano, até julho, 29% dos animais foram abatidos com mais de 36 meses em Mato Grosso, uma queda relevante ante 35% em 2018, de acordo com dados do Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Aplicada).
Os agricultores também aumentaram os investimentos em nutrição, confinamentos e tecnologia. “O ganho de fertilidade de vacas deu um salto de dez pontos percentuais entre 2018 e 2021”, diz Nogueira. Ao mesmo tempo, a proporção de novilhas no abate total cresceu de 10%, em 2018, para 14% este ano. “Esses são indicadores de que o rebanho bovino brasileiro está ficando mais jovem. O giro do rebanho mudou.”
Consequências
A rápida resposta dos pecuaristas brasileiros à demanda chinesa, aumentando a oferta do chamado “boi China”, ficou evidente no comportamento das exportações. Entre 2018 e 2022, a participação da China nos embarques totais de carne bovina aumentou de 20% para 54%. No mesmo intervalo, as exportações totais de carne bovina do Brasil avançaram mais de 40%.
Para analistas do setor, incluindo Nogueira, os sucessivos recordes têm tudo a ver com uma pecuária mais produtiva. “Nem tudo é ciclo pecuário, há muitos ganhos de produtividade também”, acrescenta César de Castro Alves, gerente da consultoria agro do Itaú BBA.
As exportações devem bater um novo recorde este ano — até julho, a alta é de 35% em volume—, na esteira de um número recorde de abates. A produção de carne bovina deve crescer tanto em 2024 que, mesmo com exportações fortes, o consumo per capita no Brasil deve crescer 20% este ano, chegando entre 35 e 36 quilos por pessoa, segundo estimativas da Athenagro.
“Isso não é melhora na renda necessariamente, é aumento na oferta”, observa Alves, do Itaú BBA.
Além de proporcionar um novo patamar para as exportações, os ganhos de produtividade na pecuária tambémajudaram o Brasil a se tornar um fornecedor mais confiável, capaz de garantir frequência de entrega e qualidade, diz Nogueira. “Estamos numa posição muito interessante de ofertar quantidades confiáveis e com qualidade.”
Novo padrão deve ficar
Embora o ritmo de crescimento da demanda chinesa tenha desacelerado em meio a uma economia enfraquecida, o novo padrão de produção causado pela demanda da China veio para ficar. “Os pecuaristas não vão voltar atrás porque viram os resultados dos ganhos de produtividade no bolso”, avalia Nogueira.
Além disso, mesmo com um apetite um pouco menor pela carne brasileira, os chineses continuam respondendo por cerca de metade das exportações. “Passamos décadas com a Europa pressionando, exigindo brincos, rastreabilidade, e a China revolucionou a pecuária com uma ordem mercadológica. E, quando você prestigia economicamente níveis mais altos de produtividade, o meio ambiente acaba ganhando também”, afirma.
Enquanto o gado começa, lentamente, a ocupar menos espaço, a produtividade tem uma melhora consistente: em 2018, um boi ocupava cerca de 1 hectare — taxa de ocupação que mudou para 1,22 bois no mesmo hectare em 2023. Já a produtividade saiu de 4 arrobas por hectare ao ano para 4,4 arrobas no mesmo período.
Um efeito secundário desse processo, que pode não ser tão benéfico do ponto de vista social, é a continuidade do movimento de concentração da criação de gado destinado ao mercado formal. Atualmente, 10% dos pecuaristas ofertam cerca de 80% de todos os animais vendidos para frigoríficos no Brasil, segundo dados da Athenagro.
Fonte: TheAgriBiz
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