Agropecuária busca reduzir pegada hídrica

Num cenário pessimista, mantida a trajetória atual das emissões de gases do efeito-estufa, a probabilidade de um aquecimento superior a 4°C antes do fim deste século no país supera os 70%, segundo trabalho Riscos de Mudanças Climáticas no Brasil e Limites à Adaptação, conduzido por um time de especialistas brasileiros com apoio da Embaixada do Reino Unido no Brasil. Os impactos sobre a agricultura seriam severos, com a soja perdendo 81% das áreas hoje consideradas de baixo risco para sua exploração, enquanto a segunda safra de milho passaria a enfrentar restrições em praticamente todo o território brasileiro, com riscos em níveis variados também para o arroz e feijão.

Evitar a consolidação desse cenário, o mais dramático entre aqueles examinados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e entidades ambientais ao redor do mundo, e criar alternativas para assegurar a produção agropecuária fazem parte dos esforços desenvolvidos pelo setor, que pretende reduzir sua pegada hídrica com a utilização de técnicas e práticas que tornem mais racional e eficiente o uso da água.

Embora considere mínimo o risco de restrição por água no Brasil, dada a situação particular da produção de carne bovina no país em relação ao restante do planeta, Maurício Palma Nogueira, sócio e coordenador de pecuária da Agroconsult, empresa associada ao Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), afirma que “é consenso que a pecuária deve buscar melhoria na eficiência do uso, tanto da água, como de outros recursos, como solo, estrutura, área, volumosos e outros”.

Segundo Nogueira, o caminho para reduzir a pegada hídrica, ampliando a produção de carne por unidade de água consumida, está no aumento da produtividade. Neste caso, ressalta ele, os ganhos de eficiência vêm numa curva ascendente desde meados da década de 1990, com incorporação comparativamente mais rápida de melhorias na qualidade nutricional, no manejo e no trato das pastagens. “Num segundo momento, mas tão importante quanto, vem a melhoria da qualidade genética do rebanho e todo o pacote de investimento em infraestrutura que possibilitam níveis mais adequados de produtividade”, acrescenta. Como resultado, houve aumento na produção de bezerros pelo mesmo número de vacas, redução da idade de abate e ganhos no peso médio das carcaças, que atingiu, no ano passado, o valor mais elevado na série histórica do setor.

Os números da Agroconsult mostram um salto de 154,5% na produtividade do setor, com a produção avançando de 1,65 arroba por hectare ao ano em 1990 para 4,2 arrobas até 2014. Há uma década e meia, segundo a mesma fonte, mais de 30% dos bois eram abatidos com mais de 36 meses de idade, percentual reduzido na primeira metade desta década para 7%. Nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto o número de bovinos levados a abate aumentou 105,8% entre 1997 e 2015, o peso total das carcaças cresceu 124,6%, saindo de 3,33 milhões para 7,49 milhões de toneladas. O peso médio por carcaça, no mesmo período, cresceu de 224,0 quilos para 244,5 quilos.

A agricultura tem perseguido objetivo semelhante, apostando em ganhos de produtividade para se tornar mais eficiente no uso da água, do solo e dos demais fatores de produção e insumos, sustenta Nelson Ananias Filho, produtor, engenheiro agrônomo e coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Nas últimas três décadas, afirma ele, os ganhos de produtividade explicam o forte incremento da produção, que saiu de 53,9 milhões de toneladas na safra 1985/86 para 210,3 milhões de toneladas no ciclo 2015/16, na medição mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), num aumento de 190%, enquanto a área plantada cresceu 37,5% e a produtividade média quase triplicou, subindo 183,5%.

Sem a incorporação de tecnologias mais avançadas, com o desenvolvimento de novas cultivares, maior aplicação de insumos, expansão do plantio direto e exploração dos solos praticamente durante todo o ano, estima Ananias Filho, a agricultura precisaria de quase 70 milhões de hectares a mais para produzir o mesmo volume esperado para a safra atual.

Fonte da Notícia
Valor Econômico

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