O Rally da Pecuária nos proporciona momentos únicos. Neste vídeo, membros da equipe 5 da 6ª edição da expedição confraternizavam com alguns produtores após o evento realizado na cidade de Gurupi, no Tocantins. Foi nessa ocasião em que um dos produtores, o senhor Nicanor, nos deu uma aula sobre a rotina de uma comitiva e os toques de berrantes.
Apenas para ressaltar a importância das comitivas no histórico da pecuária, vale lembrar um pouco da história do Brasil.
Perante a cultura europeia, responsável pela colonização de nosso país, o ambiente tropical do interior do Brasil era extremamente hostil. Com flora e fauna suficientemente ricos, expandir a atividade econômica para o interior não era coisa simples, apesar de necessário.
Poucas eram as alternativas disponíveis para avançar em áreas de abertura, com ausência quase total de infraestrutura, estradas e recursos humanos capacitados. Dentre as poucas opções, a pecuária de corte era a mais atraente, principalmente a atividade de cria.
A principal vantagem da pecuária era que a produção podia caminhar pelas estradas precárias através de comitivas que dominavam o cenário destas regiões de abertura. As comitivas para deslocamento de gado, com suas tralhas para montaria, a tropa, as ferramentas de lida (laço, berrante, espora etc) fazem parte da história do nosso povo. O processo histórico de mudança com o fim das comitivas diante da chegada da infraestrutura, inclusive, faz parte do acervo cultural do interior brasileiro. Quantas músicas sertanejas, por exemplo, exploram o tempo das comitivas e a inevitável chegada do transporte rodoviário?
Em praticamente todas as regiões abertas a partir de 1950, a pecuária chegou primeiro, carregando o ônus de atividade desflorestadora.
Esse é um passivo da história do avanço do povo brasileiro para o interior. Um passivo quase que exclusivo da produção de carne bovina. É por isso que normalmente os profissionais da pecuária dizem que se a pecuária foi o machado, quem segurou o cabo foi a sociedade.
Nos anos de forte expansão agrícola, a demanda por rebanho para ocupar áreas recém-abertas superava a demanda da pecuária. Como a maior parte das fazendas de abertura se destinava à atividade de cria, este desequilíbrio entre oferta e demanda foi acentuado no mercado dos bezerros ou animais jovens. Havia mais bezerros ofertados do que a necessidade de compra para engorda.
Podemos tecer algumas afirmações diante desse quadro:
– A pecuária nunca dependeu de desmatamento e do avanço sobre as fronteiras; foi o avanço sobre as fronteiras que dependeu da pecuária. A prova disso é a sobra de bezerros durante quase cinco décadas.
– A produção de bezerros era subproduto da operação imobiliária e ocupação de fronteiras, por isso sua oferta não foi equilibrada de acordo com a demanda da pecuária e produção de carne (a arroba do bezerro sofreu deságio até meados da década de 1990). Mesmo os movimentos típicos de ciclo pecuário foram insuficientes para levar o preço do bezerro a patamares coerente com a demanda de boi gordo para abate.
– Considerando atividade de ciclo longo e o excesso de estoque existente de animais de diversas categorias, é de se esperar que o mercado leve alguns anos para se equilibrar.
– A realidade da pecuária começou a mudar a partir de meados da década de 1990, quando a hiperinflação foi vencida pelo Plano Real. E junto com a inflação, também foi controlado o avanço sobre áreas de fronteira. A produção e a produtividade passaram a ser mais interessantes economicamente do que a imobilização de patrimônio e a posse de estoques.
O impacto de todas as mudanças foi traduzido no gradual aumento do pacote tecnológico nas fazendas. A recria e a engorda foram agregando produtividade, aumentando escala e, consequentemente, demandando cada vez mais bezerros. Como a recria e a engorda avançaram mais do que a cria, o resultado foi a rápida valorização da arroba do bezerro diante da arroba do boi gordo. Na cria, o aumento da velocidade na intensificação dos sistemas produtivos começou cerca de 10 anos depois.
Para nós da Agroconsult, idealizadores e organizadores do Rally da Pecuária, é um grande prazer encontrar e poder apresentar algumas histórias da raiz cultural da pecuária brasileira. Só sabendo de onde viemos é que podemos traçar com perfeição os rumos que poderemos tomar.
Além de muita informação, o Rally nos proporciona pérolas como essa.
Texto: Maurício Palma Nogueira / Ricardo Nissen
Vídeo: Giovane Rocha
Fundo Musical: Rafael Marques
Berranteiro e história contada: Nicanor