A iniciativa do GTPS é louvável. Ao organizar um seminário para discorrer sobre a dinâmica de carbono nos sistemas produtivos, o grupo contribuiu para elevar o nível das discussões. O conhecimento só é imparcial quando obtido a partir do rigoroso método científico. Ciência, pela metade, não é ciência e sim suposição.
Ao final de 2018 o GTPS organizou um dos mais inovadores seminários sobre sustentabilidade. O objetivo foi discutir o carbono pela perspectiva da produção. A linguagem, voltada aos produtores, marca o tipo de iniciativa em falta neste debate: apresentar o assunto aos verdadeiros protagonistas, cujas decisões impactarão – positiva ou negativamente – o balanço de carbono.
Carlos Eduardo Cerri, da ESALQ/USP, Alexandre Berndt e Patrícia Anchão de Oliveira, ambos da Embrapa Pecuária Sudeste, foram os conferencistas responsáveis pelo tema. Um presente para o público que testemunhou o nível de competência, conhecimento e sofisticação da pesquisa realizada no Brasil. Transbordaram ciência com uma linguagem acessível e muito bem conduzida.
Com frequência, os debates sobre balanço de carbono não envolvem o conhecimento científico relacionado à estrutura e fertilidade do solo, formação de húmus, manejo de pastagens, eficiência de colheita do capim, entre outras particularidades do sistema solo-planta-animal-atmosfera.
Embora os pesquisadores citados sejam constantemente convidados para conferências, seus conhecimentos – e suas conclusões – não são determinantes no inventário de carbono na pecuária. O mesmo ocorre com outros tantos nomes da ciência brasileira que tem muito a contribuir.
Discutir balanço de carbono, considerando apenas as emissões dos bovinos e o potencial de acúmulo no solo, é insuficiente para entender as complexas interações bioquímicas e edafológicas que, em última instância, definirão o real saldo deste balanço.
Na sequência das apresentações, os pesquisadores elucidaram toda essa complexidade e confirmaram a capacidade de neutralização e geração de saldo positivo pela pecuária. Ou seja, a pecuária bem conduzida acumula mais do que emite.
Embora essa afirmação possa soar estranha para a maioria, trata-se de um conceito simples para quem acompanha o tema e compreende que o balanço deve ser definido por uma equação entre a soma do total acumulado subtraído do total emitido.
As emissões de carbono pelos bovinos são conhecidas e muito divulgadas pela competente máquina de comunicação das ONGs, especializadas no tema.
Para compreender o acúmulo de carbono no solo, no entanto, demanda-se um esforço muito maior, que envolve a compreensão de detalhes técnicos complexos, difíceis de explicar para quem não é familiarizado. E, ainda assim, há uma diversidade de fatores que não permitem chegar a um número final, definitivo, sobre quanto de carbono é acumulado ou removido da atmosfera. Esse número dependerá do clima, bioma, tipo e composição de solo, sistema de produção, entre outros fatores.
Mesmo diante dessa complexidade, a metodologia atual aceita as emissões da pecuária como verdade absoluta, mas desconsidera quase que completamente o total acumulado pelo sistema.
O balanço é calculado num cenário em que o passivo é integralmente aceito, enquanto o ativo precisa ser provado. No entanto, sob a luz da ciência, o resultado não poderia ser chamado de balanço sem que as variáveis fossem integralmente consideradas.
A seriedade e o comprometimento com o método científico, muito bem demonstrados pelos três pesquisadores que palestraram no evento, não são levados em consideração no atual cálculo do balanço de carbono na pecuária.
Quando questionados sobre essa incoerência, os responsáveis defendem-se dizendo que é o setor produtivo que deveria apresentar dados científicos para provar a existência desta remoção e acúmulo no solo. Com essa afirmação, desconsideram décadas de pesquisa e conhecimento acadêmico sobre edafologia, construção de fertilidade do solo, bioquímica e produção pecuária em ambiente tropical. É como se a ciência precisasse ser reinventada para se adaptar ao resultado convenientemente esperado.
O conhecimento está disponível. Para usá-lo, basta incluir os pesquisadores das relativas áreas neste debate.
A iniciativa do GTPS é louvável. Ao organizar um seminário para discorrer sobre a dinâmica de carbono nos sistemas produtivos, o grupo contribuiu para elevar o nível das discussões. O conhecimento só é imparcial quando obtido a partir do rigoroso método científico. Ciência, pela metade, não é ciência e sim suposição.
Como profissional da área e membro do GTPS, espero ver mais iniciativas deste tipo ao longo de 2019. O Grupo fechou 2018 com chave de ouro.
MAURÍCIO PALMA NOGUEIRA
é engenheiro agrônomo, sócio da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária