O Brasil deve parar de vacinar contra a aftosa?

A febre aftosa é uma doença que não traz risco ao consumidor. Sua importância é de ordem econômica, pois os animais doentes não conseguem se alimentar e, consequentemente, não produzem.
Recentemente, o Brasil foi declarado como país livre de aftosa com vacinação, status reconhecido pela OIE (Organização Mundial de Sanidade Animal). Desde 2006 não há registro da doença em solo brasileiro.

A febre aftosa é uma doença que não traz risco ao consumidor. Sua importância é de ordem econômica, pois os animais doentes não conseguem se alimentar e, consequentemente, não produzem.

Recentemente, o Brasil foi declarado como país livre de aftosa com vacinação, status reconhecido pela OIE (Organização Mundial de Sanidade Animal). Desde 2006 não há registro da doença em solo brasileiro.

Em 2017, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou o Plano Estratégico do PNEFA (Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa), prevendo a suspensão completa da vacinação em todo o rebanho até 2023, após o esperado reconhecimento pela OIE.

Apesar de completo, e muito bem elaborado, o cronograma do plano não é consenso. Nos últimos dois anos, mais de dois mil profissionais foram entrevistados em onze estados de relevância pecuária. Dentre os técnicos de diversas formações acadêmicas, apenas 6,9% acreditavam que o país já estaria apto a suspender a vacinação.

Quase três quartos dos entrevistados (72,8%) concordam com o fim da vacinação, mas ressalvam que a retirada exige cautela, demandando um prazo maior no cronograma e mais esclarecimentos sobre o tema. Outros 20,3% discordam em retirar a vacinação a qualquer momento. Dividem suas opiniões basicamente em duas vertentes.

A primeira não acredita que seja viável suspender a vacinação, pois o risco de surgimento de um novo foco é grande, principalmente pela riqueza da fauna em um país que preserva mais de 65% da área total. Embora seja um inegável ativo ambiental, a área preservada aumenta o risco sanitário da produção animal.

Nove grupos de espécies da fauna, presentes em todo o território, são suscetíveis e classificados como de importância epidemiológica para febre aftosa. Constam nessa lista as capivaras, javalis, cervos, antas, gambás, tatu-galinhas e todas as espécies de porcos do mato. E ainda há estudos que incluem outros pequenos mamíferos como potenciais transmissores da doença. O risco de reintrodução do vírus é considerável.

A segunda vertente aponta efeitos indiretos no pacote sanitário dos animais. Com o fim das campanhas da vacinação, é provável que o controle de outras doenças seja negligenciado nas fazendas, visto que os produtores aproveitam a operação para tratar os animais. Essa opinião encontra respaldo no hábito dos pecuaristas consultados na mesma pesquisa a campo. Cerca de 75% deles dependem, em algum grau, das campanhas de vacinação para administrar os demais protocolos sanitários, sendo que 20% do total aplicam os produtos apenas durante as campanhas.

E, dentro da amostra pesquisada, a porcentagem dos que tratam os animais apenas durante as campanhas aumenta entre os menores pecuaristas. Essa tendência redobra a preocupação. De acordo o último censo agropecuário divulgado pelo IBGE, os estabelecimentos com menos de 50 cabeças somam 79% do total e mantém apenas 16,5% do rebanho. Os 83,5% restantes do rebanho estão distribuídos em 20% dos estabelecimentos com mais de 50 cabeças.  

O sucesso do plano estratégico do PNEFA depende da mobilização de todos os envolvidos no caso de algum foco da doença. Conscientização, velocidade no diagnóstico, rápida comunicação e agilidade na resposta dos agentes de estado são requisitos fundamentais. É pouco provável que em apenas cinco anos seja factível sensibilizar todo o contingente de pequenos produtores distribuído pelo Brasil.

Em tese, a principal vantagem para a retirada a vacinação é o acesso a mercados mais exigentes, que remuneram melhor a carne. No entanto, essa condição não foi conquistada por Santa Catarina, livre de aftosa sem vacinação desde 2007.  Nem a suinocultura e nem a bovinocultura registraram algum ganho que possa ser associado ao status.

O acesso a estes mercados depende do tipo de carne ofertada. O Brasil, com predominância de gado zebuíno, puro ou nos cruzamentos, terá dificuldade em competir nos mercados que buscam carnes produzidas a partir de raças taurinas de origem britânica.

Uruguai é um dos países competitivos nesse mercado. Recentemente, mesmo com o status igual ao do Brasil – livre da aftosa com vacinação – foi autorizado a exportar carne para o Japão, país sempre apontado como um dos que só importariam carne brasileira a partir do status livre sem vacinação. É uma quebra de paradigma.

Outra questão a ser considerada é o efeito regional que a mudança de status causará em alguns estados, à medida que o plano vai sendo implementado. No Paraná, que planeja antecipar a retirada da vacinação, pecuaristas e consumidores deverão ser fortemente impactados. O estado recebe bezerros e garrotes de diversas outras regiões, comportamento que é refletido na valorização do bezerro em relação ao boi gordo. O ágio histórico do bezerro no Paraná, calculado pelos preços à vista, é 23%, enquanto Santa Catarina registra 12% e o Rio Grande do Sul, 7%.

Com o estado fechado para a entrada de bezerros, os preços dos animais de reposição irão aumentar, eliminando os produtores com menores condições financeiras de garantir um acréscimo no fluxo de caixa. Na recria e engorda, a compra dos bezerros representa 60% dos custos de produção.

O preço do boi irá se valorizar, impactando o resultado dos frigoríficos e o custo de vida dos consumidores do estado. Os produtores que conseguirem comprar os bezerros com ágio assumirão riscos de mercado ainda maiores. Lá na frente, quando forem vender o boi gordo, a esperada reabertura das fronteiras derrubará novamente o preço, fazendo com que os produtores percam na desvalorização do estoque carregado.

O desafio não é pequeno.

É evidente que o status livre sem vacinação deve ser buscado, mas não a qualquer custo, assumindo riscos desnecessários com o estabelecimento de um cronograma desproporcional à complexidade pecuária do país.

O plano estratégico do PNEFA supera a atual capacidade de implementação do setor. Ajustá-lo depende apenas da revisão do cronograma e da rigorosa implementação de todas as fases descritas no plano.

Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, sócio e diretor da Athenagro

Fonte da Notícia
Athenagro

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