Lições do passado, articulações do presente e projeções para conquista do status
A história recente dos impactos dos últimos casos de Febre Aftosa no Brasil remete a memórias desagradáveis.
O último ocorreu no final de 2005 – Mato Grosso do Sul em outubro e Paraná em dezembro -, acarretando a
suspensão do comércio da carne bovina para diversos países e, consequentemente, grave impacto econômico no complexo carne.
Período que mesmo tomando todas as providências emergências, tais como inspeção, interdição e postos de fiscalização com a finalidade de mitigar ou obstruir o trânsito de animais acometidos ou até o abate sanitário, a desolação já estava instalada.
Ao todo, no período, 52 países limitaram as exportações, primeiramente do MS e na sequência PR. Entre eles, países como Rússia, o Chile e a Inglaterra suspenderam os negócios com Mato Grosso do Sul, já a União Europeia, Israel e África do Sul embargaram a carne importada tanto do Mato Grosso do Sul como dos estados vizinhos: São Paulo e Paraná. Aliado a isso, durante o desenrolar da crise, cerca de 16 frigoríficos fechados e milhares de postos de trabalhos foram suspensos de forma direta e indireta.
Um impacto que atingiu 80% do volume exportado de carne bovina in natura e 20% de carne suína, em suma, uma queda de US$ 196 milhões em 2005, ora por questões estritamente sanitárias e também proteção comercial, como o posicionamento da Indonésia a poca e alertada pelo diretor executivo, hoje presidente, da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec, São Paulo/SP), Antonio Jorge Carmardelli.
Carne bovina, suína, ovelhas e até o frango estiveram no radar dos países compradores. A Rússia, por exemplo, no fim de 2005, ampliou os embargados para a carne bovina e suína de dez estados e frango do Paraná e Mato Grosso do Sul.
Na sequência a Venezuela proibiu a importação brasileira de carne bovina, suína e de carneiro, devido à preocupação dado o risco sanitário que o surto representaria para a indústria local. Além é claro de ter colocado água no vinho de todo o empenho para a conquista de mercados mais exigentes.
Nas palavras do oficial da pasta do MAPA a época, Roberto Rodrigues, os fatos apontados foram considerados como “um relaxamento geral” e serve de alerta para os líderes atuais. Mas será que o episódio ainda serve de aviso?
Mesmo com a credibilidade em xeque o País conseguiu, anos depois (2007), dar a resposta para o mundo com a conquista do status de Livre Sem Vacinação junto a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) para o Estado de Santa Catarina.
Dez anos se passaram e de lá para cá, órgãos reguladores e diversos elos da cadeia produtiva da carne bovina entenderam que seria necessário estender a mesmas condições para os demais estados da federação até 2021 por meio do Plano Estratégico do Programa Nacional de Erradicação e Prevenção de Febre Aftosa (PNEFA).
Quem saiu na frente foi o Estado do Paraná por meio da decisão anunciada em 24 de abril deste ano. Na reunião, o
diretor de Departamento de Saúde Animal (DAS), Geraldo Marcos de Moraes, informou que ainda faltam detalhes para finalizar o processo. “Só então o Ministério da Agricultura editará as normas relacionadas à suspensão da vacinação no Paraná e as demais que implicam no controle de ingresso de animais no Estado”, disse.
O presidente da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Otamir Cesar Martins, informou que todas etapas pendentes serão concluídas nos próximos meses e só então comemorará o feito. “Até setembro cumpriremos as pendências e estaremos prontos para a auditoria internacional um ano depois para que, em 2021, possamos receber da OIE (Organização Mundial da Saúde Animal, Paris/França) o certificado de Estado Livre de Febre Aftosa Sem Vacinação”, e acrescentou que a responsabilidade será de todos os elos do setor produtivo e governo.
Dentre os benefícios projetados para esta conquista estão o acesso aos mercados nobres, ágio e melhoria financeira para os pecuaristas do Estado. Contudo, o sócio diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária, Mauricio
Palma Nogueira, consultado pela equipe de reportagem do portal e revista digital INC Magazine informa que a expectativa de incremento do preço do boi gordo e do comércio internacional no curto prazo não procedem. “As coisas não são bem assim”, alerta.
De acordo com ele, o preço da carne com osso aumentaria no Estado pelo fato da proibição da entrada de outros Estados, ou seja, haveria uma reação do preço do boi por conta da situação instalada no Paraná. “Já em termos de exportação vimos que Santa Catarina, primeiro estado habilitado País, não atendeu mercados exigentes. Isso tanto para a carne bovina quanto para a suína”, detalha e recorda que em 2018, por exemplo, Santa Catarina, responsável pela metade dos embarques internacionais do segmento, enviou 19 mil toneladas para mercados restritivos. “Por outro lado, o Paraná, responsável por 20% das exportações de carne
suína do Brasil, embarcou no mesmo período 18 mil toneladas para os mesmos mercados restritivos”, compara e rebate que o acesso
a mercados exigentes não está relacionado somente ao status sanitário. “Na prática, nos últimos dez anos não houve valorização. Portanto, a ideia de retirar a vacina e vender mais caro não se aplica. Ocorrerá diversos entraves para os elos produtivos do Estado”.
O zootecnista e consultor de mercado da Scot Consultoria (Bebedouro/SP), Felipe Reis, projeta visão contrária. Para ele, quando alcançar o status de Livre Sem Vacinação, como ocorrido em Santa Catarina, o Estado do Paraná poderá sair beneficiado com a melhora no preço da arroba. “Fundamentamos essa afirmação pela exigência que o status trará por consequência da proibição da entrada de animais de outros estados. Portanto, com a demanda maior por parte da agroindústria e oferta reduzida acreditamos em uma expectativa de alta”, salienta. No entanto, conclui o consultor, “é importante que o pecuarista continue fazendo seu trabalho
da porteira para dentro”.
Muito além das projeções positivas ainda há inúmeras incerteza de grande parcela de agentes do elo da produção da carne bovina. Entrevista realizada pelas equipes do Rally da Pecuária de 2017 e 2018 comprovou que das 2 mil coletas realizadas, apenas 7% dos
técnicos consideraram viável a retirada. Quando a lupa recai sobre o Paraná, somente 2% estão convictos do fato que se aproxima. Em outras palavras, a maior parte do setor produtivo está apreensiva com a retirada.
Pelo lado associativo também há elevada atenção. O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde
Animal (Sindan, São Paulo/SP) informa que o momento é inadequado para iniciar a retirada da vacina contra Febre
Aftosa. “Posicionamos oficialmente o governo brasileiro que um plano desta envergadura e complexidade deveria
ser iniciado somente em 2021”, destaca o vice-presidente executivo da entidade, Emilio Salani e vai além. De acordo
com o executivo, o sindicato informou ao governo e autoridades do Estado sobre suas responsabilidades, aliada à carga
financeira contida no ato da suspensão da vacina. “Temos que conscientizar os elos da cadeia para que não sejamos
surpreendidos pelo reingresso da doença capaz de gerar prejuízos para todos os produtores de proteína, bem como
outros elos da cadeia, a exemplo da indústria dos grãos”, adverte Salani.
Do ponto de vista do Sindan, é necessário mais debates e discussões para que se tenha claro qual será o real papel de cada personagem no futuro. “Como detentor do maior rebanho comercial do mundo temos que buscar junto à Organização Mundial de Saúde Animal (OIE, Paris/França) o status de Livre de Febre Aftosa Sem Vacinação, conforme contempla o Programa Nacional de Erradicação de Febre Aftosa (PNEFA) para que possamos acessar mercados nobres e posicionar a proteína animal de maneira correta. Esta é nossa responsabilidade social”, destaca e alerta: “Não podemos de maneira alguma aventurarmos ou negligenciarmos a implementação de um plano sem todos os recursos e detalhes muito definidos”.
Entre dúvidas e certezas é importante lembrar a todos os elos o quão árduo foi a conquista da pecuária nacional até o presente momento e os impactos negativos que o “relaxamento” propiciou para o setor produtivo. Nosso último caso se deu em 2006 com perdas estimáveis e inestimáveis sócio e econômicas. Isso em função de ser uma enfermidade infectocontagiosa aguda com potencial de transmissibilidade
extremamente alta entre os animais susceptíveis, podendo, em cerca de uma semana ou menos, afetar os rebanhos. Lembrando que ela acomete animais biangulados, ou seja, bovinos, ovinos, caprinos e suínos, além de ruminantes silvestres, camelídeos e elefantes.
Somado a isso, além da facilidade da circulação do vírus, a globalização, o controle, a fiscalização e planos sustentáveis de contingências devem ser muito bem estudados, uma vez que caso troquem os pés pelas mãos poderá haver um aumento dos riscos relacionados a questões sanitárias. Por isso a necessidade de se estabelecer regras claras e amplamente aceitas, e, implementa-las de acordo com seus
compromissos. Em suma, o que foi preconizado pelo PNEFA conforme alertado por lideranças deste segmento.
Linha do Tempo da Aftosa no Brasil
1895 – Primeiro registro oficial de febre aftosa no Brasil na região do Triângulo Mineiro, em consequência a importações de animas da Europa;
1909 – Criação do Ministério da Agricultura;
1950 – Realização da Primeira Conferência Nacional de Febre Aftosa e implantação do Primeiro Programa de Combate à Febre Aftosa;
1951 – Criação do Centro Pan Americano de Febre Aftosa (Panaftosa) sediado no Brasil, em decorrência do reconhecimento da necessidade de ações conjuntas entre os países do Continente americano no combate à doença; 1963 – O Governo Federal instituiu, no âmbito do Ministério da Agricultura, a Campanha de Combate à Febre Aftosa – CCFA;
1968 – Criado o Projeto Nacional de Combate à Febre Aftosa dando início ao controle sistemático da doença por meio da implantação
de infraestrutura laboratorial, treinamento de pessoal e conscientização dos produtores;
1972 – Criada a Comissão Sul-Americana para Luta Contra Febre Aftosa – COSALFA, uma importante estratégia integradora, de
gestão e intervenção regional na luta contra a febre aftosa;
1992 – Implantação do Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa, com mudanças importantes nas bases estratégicas
do programa, prevendo a ampla participação social, regionalização no combate à doença, vacinação sistemática de bovinos e búfalos
e outras medidas;
1998 – Primeiro reconhecimento de zona livre de febre aftosa com vacinação, pelo então Escritório Internacional de Epizootias
– OIE, envolvendo os estados do Rio Grande Sul, Santa Catarina e Paraná;
2006 – Última ocorrência de febre aftosa no Brasil, no Mato Grosso do Sul;
2007 – Reconhecimento internacional da primeira zona Livre de Febre Aftosa Sem Vacinação, contemplando o Estado de Santa Catarina;
2017 – O Mapa publica o Plano Estratégico do PNEFA, entre suas medidas, prevendo a suspensão completa da vacinação no País e o reconhecimento internacional de país Livre de Febre Aftosa Sem Vacinação até 2023;
2019 – Anúncio da antecipação da suspensão da vacina no Estado do Paraná.
Por Arthur Rodrigo Ribeiro, da redação
Link para a revista: CLICK
Fonte da NotíciaI
NC Magazine