A expectativa é de um lucro operacional em torno de R$4 mil/ha em 2019, 6,6 vezes acima que os R$600/ha registrados em 2018, o pior desempenho do período pós 2001.
A pecuária leiteira vive um bom momento. Entre janeiro e maio, os preços recebidos pelos produtores estão 27% acima do mesmo período do ano anterior. Até dezembro, é provável que os preços recebidos em 2019 se mantenham ao redor de 18% acima do registrado durante todo o ano passado.
Pelo lado do custo de produção, o cenário também é favorável. Os efeitos da peste suína africana na China impactaram negativamente os preços do mercado de alimentos concentrados, especialmente as fontes de proteína. Ruim para quem vende, bom para quem compra.
O custo médio da compra de alimentos para vacas leiteiras deverá ser em torno de 3% abaixo do pago em 2018. E ainda há possibilidades de economizar. Com o apoio de nutricionistas especializados, os produtores de leite poderão contar com um custo ainda mais amigável na alimentação do gado até o final do ano.
Nessa combinação de cenários, uma propriedade bem administrada com produtividades médias em torno de 15 mil litros/ha/ano deverá registar o melhor resultado nominal em 20 anos. A expectativa é de um lucro operacional em torno de R$4 mil/ha em 2019, 6,6 vezes acima dos R$600/ha registrados em 2018, o pior desempenho do período pós 2001.
Confirmando-se o cenário, em valores reais, corrigidos pelo IGP-DI, o resultado de 2019 só ficaria atrás do registrado em 2007, ano em que o agronegócio brasileiro vivia o ciclo final dos bons momentos das commodities. A análise é por indicador e sempre considera a propriedade com 15 mil litros/ha/ano, perfil padrão analisado pela Athenagro.
No entanto, se o ano de 2019 promete, 2020 preocupa. A pecuária leiteira tem uma particularidade de produção que poucos compreendem.
Os produtores de elevado nível técnico no Brasil não perdem para nenhum outro em qualquer lugar no mundo, tanto em desempenho como em qualidade. A diferença é que o produtor brasileiro opera em um ambiente hostil, difícil de sobreviver. Enquanto em grande parte do mundo o setor leiteiro recebe algum tipo de auxílio, com raras exceções, no Brasil o pecuarista arca com um ônus muito pouco perceptível aos leigos: a pecuária leiteira de ponta banca o processo de exclusão da pecuária de corte.
Explica-se!
Em estudo conduzido pela Athenagro em 2015, identificamos que na pecuária de corte não existiam produtores com menos de 500 hectares registrando caixa positivo, caso operassem na produtividade média da pecuária brasileira. Para sobreviver ou lucrar, a produtividade teria que ser maior, crescente. Quanto menor a área, maior a dependência de produtividade.
Para chegar a essas conclusões, o estudo incluiu, além do fluxo de caixa da propriedade, o orçamento familiar considerando a característica típica das famílias brasileiras.
O dado é preocupante, especialmente quando se considera o perfil fundiário do país. Segundo dados preliminares do censo de 2017, publicado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 80% dos estabelecimentos pecuários possuíam menos de 50 cabeças e respondiam por 16,5% do rebanho brasileiro. Como há muitos pequenos produtores, geralmente dedicados à produção de bezerros, a incidência de baixa tecnologia na pequena produção é proporcionalmente maior, criando uma dificuldade orçamentária para o produtor se manter.
As pessoas estão sobrevivendo nessas condições a partir de alternativas que incorporam em suas rotinas. Seja um emprego na cidade ou em propriedades vizinhas, o que permite subsidiar a pecuária, seja diversificando a produção com outras atividades. Entre frutas, hortícolas, piscicultura, a mais comum dessas diversificações é a produção leiteira a partir de vacas de corte.
Tradicionalmente, o leite é considerado uma boa opção por manter um fluxo de caixa mensal. O efeito prático para o mercado, no entanto, é negativo. Outro estudo da Athenagro, realizado em 2014, identificou que 45% dos bezerros machos do Brasil haviam nascido em propriedades que se envolveram com a produção leiteira.
Em 2018, essa situação mudou muito pouco. De acordo com o acompanhamento do perfil das vacas que entram em lactação no Brasil, 54% do total é composto por sangue sem especialização para a produção leiteira.
Figura 1. Quantidade de vacas em lactação de acordo com o perfil de produtividade e especialização
Dentre as vacas com algum grau de sangue para a produção leiteira, há uma divisão em partes iguais de animais de média a alta produtividade, manejadas com foco no leite, e de baixa a média produtividade que, apesar do principal foco ser a produção leiteira, a importância na criação do bezerro é ainda maior, inclusive na definição dos touros e cruzamentos que serão usados, o que também impactará a persistência da lactação.
A maior diferença entre ambas as situações envolvendo animais com os diferentes graus de especialização é o manejo da nutrição que, por sua vez, também irá interferir no índice reprodutivo.
Para compreender melhor o tipo de animais envolvidos, elaboramos a figura 2, considerando lactação e persistência para chegar a uma referência de produção diária por vacas.
Figura 2. Produção diária estimada por perfil de vacas
Mesmo compondo a maioria das vacas em lactação, as não especializadas responderam por cerca de 27% da produção leiteira de 2018, volume similar ao total produzido pelas vacas com algum grau de sangue leiteiro, porém manejadas em sistemas de produção aquém do ideal.
A produção leiteira que pode ser chamada de profissional, ainda que a média seja baixa em relação aos produtores de ponta, respondeu por 46% do total produzido em 2018, com apenas 22% do total de vacas em lactação.
Figura 3. Produção de leite em 2018, por perfil de vacas em lactação.
Para os produtores de leite especializados, profissionais, o efeito prático deste perfil no campo é a imprevisibilidade nos resultados e dificuldade de modernizar a cadeia produtiva do leite.
Isso ocorre porque nos anos em que as relações de troca favorecem o produtor, o estímulo faz com que a oferta de leite aumente significativamente nos dois grupos de pior produtividade. Qualquer melhora na nutrição dessas vacas de baixo desempenho provoca um aumento de oferta significativo no setor, derrubando os preços no período seguinte.
Por essa razão que faz sentido afirmar que o ônus do custo social do processo da exclusão dos pequenos pecuaristas de baixa tecnologia acaba caindo nas costas dos produtores de leite especializados.
A consequência é negativa tanto para as indústrias, focadas em bons portfólios de produtos, quanto para os produtores especializados. Os ciclos de baixa, comum em todas as atividades, chegam ao produtor de leite mais rapidamente do que ocorre nas demais produções. O setor se desenvolve num ritmo mais lento do que os demais.
Essa realidade vem se perpetuando ao longo dos anos. Há uma melhora no perfil, mas a melhora é lenta quando se consideram as perspectivas de resultados nas propriedades leiteiras operadas com profissionalismo.
No decorrer de 2019, a conjuntura é favorável ao aumento da produção leiteira e consequente impacto nos preços de 2020. O que pode favorecer o cenário para o produtor de leite é o mercado de bezerros e a quantidade menor de vacas no rebanho, típica de final de ciclo de baixa.
Em períodos de bezerros valorizados, a tendência é que os produtores de baixa tecnologia, focados no duplo propósito, deixem uma proporção maior da produção para os bezerros. Buscam, com essa estratégia, melhorar a qualidade do animal desmamado e preservar a vaca, com objetivo de antecipar a nova prenhez.
Sendo assim, há uma variável que ainda pode aliviar o cenário e possibilitar um horizonte mais longo de preços remuneradores para o setor.
* Maurício Palma Nogueira, sócio e diretor da Athenagro, é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP, com especialização em administração rural. É consultor desde 1998 acompanhando empresas e analisando cenários e resultados financeiros nas cadeias produtivas de proteína animal. Planejou a metodologia e coordena Rally da Pecuária. É autor/coautor de diversos livros, capítulos e artigos sobre economia, conjuntura pecuária, viabilidade de aumento no pacote tecnológico, mercado e tendências no agronegócio. Em 2015, 2016 , 2017 e 2018 foi considerado uma das 100 personalidades mais influentes do Agronegócio, segundo a Revista Dinheiro Rural. Em 2018, recebeu da AEASP (Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo) a Medalha Fernando Costa, destaque na área de Iniciativa Privada.
Fonte da Notícia
Athenagro