No início do ano, discussões envolvendo as equipes do Ministério da Economia e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento acabaram por criar uma confusão e algumas desinformações sobre o setor leiteiro.
O assunto central era a decisão de acabar com a cobrança de uma sobretaxa, chamada antidumping, que encarecia a importação de leite em pó da Europa e da Nova Zelândia, em vigor desde 2001.
Méritos à parte sobre o tema – que não é o foco deste artigo – o fato é que a desinformação levou analistas, leigos no assunto, a atribuir ao setor leiteiro alguma política de subsídios, nos moldes do que ocorre na União Europeia. No entanto, a realidade não é bem assim. No último artigo publicado nesse espaço, com o título “Até quando vai o bom momento da pecuária leiteira?”, falamos sobre o perfil da produção leiteira no Brasil e a dificuldade dos produtores que precisam bancar o custo da exclusão no campo. É como se a conta social das más políticas públicas, conduzidas ao longo de décadas, fossem pagas apenas pelos produtores de leite.
Sendo assim, falar que o produtor de leite no Brasil depende de favores governamentais, além de falacioso, não deixa de ser também uma afirmação leviana.
Em 25 anos, desde a consolidação do plano Real, o produtor de leite perdeu 46% de suas margens líquidas.
A soma proporcional dos itens que compõem os custos de produção evoluiu 1.225% entre agosto de 1994 a maio de 2019. Os preços pagos aos produtores, no mesmo período, aumentaram 605%, enquanto o reajuste ao consumidor foi de 540%. A figura 1 compara os itens de preços e custos com outros indicadores da economia.
A perda de margem da produção de leite, assim como ocorreu em diversas outras atividades, pressiona os produtores, aumentando a exigência tecnológica para se manter na atividade. Estudos da Athenagro, por exemplo, mostram que para manter a renda do início dos anos 2000, um produtor de leite, atualmente, teria que operar com o dobro de produtividade e desempenho.
Figura 1. Evolução dos indicadores entre agosto de 1994 a maio de 2019.
Em valores absolutos, o cálculo das perdas de margens dos pecuaristas pode ser feito através do valor bruto da produção ou PIB (Produto Interno Bruto) das fazendas leiteiras.
Entre 1994 e 2018, a redução de margens nas fazendas leiteiras alcança R$14,9 bilhões, considerando os valores atuais. Somando a produção total do período, trata-se de uma queda de R$0,02/litro produzido numa atividade de margens que já são baixas.
O resultado prático das margens em queda é a dificuldade de sobrevivência daqueles que não se adaptam. Nessas condições tendem a ir se inviabilizando ao longo dos anos até que sua situação se torne insustentável. Quanto menor for o produtor, e quanto mais precário for o sistema de produção, maior é a proporção do problema.
Figura 2. Evolução das margens de lucro ano a ano do setor leiteiro, considerando o valor bruto da produção anual em valores corrigidos para maio de 2019.
Para a sociedade brasileira, a importância dessa redução nas margens está explícita na figura 1. Com os aumentos nos custos de produção incorporados pelo pecuarista, sem que fossem repassados aos preços, as fazendas possibilitaram que os lácteos ficassem cada vez mais acessíveis ao consumidor. Além disso, o setor contribuiu para manter a inflação em patamares menores do que seriam, caso o aumento dos custos fosse repassado.
Longe de ser o patinho feio, dependente de esmolas, como foi sugerido por alguns articulistas no início do ano no início, a produção leiteira vem respondendo em desempenho e produtividade. O ritmo, no entanto, é de fato mais lento do que ocorre em outras atividades agropecuárias. Mas há que se considerar as particularidades do setor leiteiro que, no caso do Brasil, acaba sendo onerado pelo processo de exclusão dos pequenos produtores de bezerros que lutam por sobrevivência colocando leite no mercado.
Entender tais particularidades é fundamental para se construir uma análise crítica fidedigna em relação à pecuária leiteira.
* Maurício Palma Nogueira, sócio e diretor da Athenagro, é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP, com especialização em administração rural. É consultor desde 1998 acompanhando empresas e analisando cenários e resultados financeiros nas cadeias produtivas de proteína animal. Planejou a metodologia e coordena Rally da Pecuária. É autor/coautor de diversos livros, capítulos e artigos sobre economia, conjuntura pecuária, viabilidade de aumento no pacote tecnológico, mercado e tendências no agronegócio.
Em 2015, 2016 , 2017 e 2018 foi considerado uma das 100 personalidades mais influentes do Agronegócio, segundo a Revista Dinheiro Rural. Em 2018, recebeu da AEASP (Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo) a Medalha Fernando Costa, destaque na área de Iniciativa Privada.
Fonte da Notícia
Athenagro