Quantos dados e bases de informações o MapBiomas está colocando em dúvida?
Quem acompanhou meus últimos artigos em relação à área de pastagens, pode concluir equivocadamente o meu posicionamento em relação ao MapBiomas.
Quando o MapBiomas foi apresentado, a maior parte dos profissionais que acompanham informações sobre pastagens o recebeu com boas expectativas.
Os resultados submetidos ao debate e com pesquisadores abertos à discussão (especialmente o Lapig – Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento), sinalizavam que uma nova luz de conhecimento contribuiria com a pecuária. Esse procedimento, no entanto, não se manteve, o que justifica as críticas.
Há uma certa confusão em relação a empresas como a Athenagro que, assim como tantas outras consultorias, divulgam estatísticas sobre a pecuária. Tais estatísticas não representam os frutos ou os produtos do trabalho. As estatísticas são insumos usados na elaboração do que será apresentado aos clientes. Portanto, a natureza da crítica ao MapBiomas não é motivada por marcação de espaço e tampouco pela vaidosa busca pela paternidade em relação ao tema. O fato é que os dados não fazem sentido, conforme embasado nos textos anteriores. Se a metodologia for defensável tecnicamente, a crítica morre e a metodologia se valida com a total aceitação dos dados.
O contexto é até interessante. Ao final dos anos 2000, com a divulgação dos resultados do censo 2006, as organizações privadas e estatais que trabalham com dados de pastagens precisaram se movimentar para interpretar aquela grande diferença entre censo e pesquisa pecuária municipal, cujos dados eram significativamente discrepantes, pela primeira vez.
Nesse sentido, o embasamento das análises exigiu mais dos profissionais, que precisaram buscar mais informações e cruzamento de dados para estimar o ponto correto do rebanho e das pastagens entre ambas as bases. Ao invés de apenas usar os dados, era preciso interpretá-los a partir de outros indicadores. Nos dez anos seguintes, até que o próximo censo fosse realizado, a quantidade de conhecimento em relação à dinâmica do que ocorria nas pastagens foi ampliado, gerando uma capacidade crítica bem mais aprofundada.
O uso de conceitos de manejo de pastagens, somado a estatísticas de insumos para a produção e indicadores zootécnicos, foram incorporados às análises. Pesquisas, estudos e qualquer informação que pudesse ser aproveitada era usada para “marcar” pontos conhecidos, geralmente em anos dos censos agropecuários. Dados do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) eram analisados juntamente com os dados do IBGE.
Ao identificar uma área em determinado ano (ou ponto), repetimos a análise para outros períodos. A evolução entre um ponto e outro é composta pelas estatísticas da Conab e do Prodes/Inpe, analisadas em conjunto. “O pressuposto é que toda área desmatada seria convertida em pastagem. Embora represente uma tendência, não implica em uma regra, mas será tratado assim na estatística. Se toda área desmatada é computada como pastagem, a área agrícola só poderá crescer sobre área de pastagem, para efeito de cálculo.” conforme detalhado no artigo “A evolução da área de pastagens no Brasil”, publicado em abril de 2019.
Estatísticas de desmatamento e de conversão em agricultura precisavam levar de um ponto a outro, o que gerava uma diferença muito grande. Essa diferença, por fim, foi explicada por outra base de dados do Inpe, que é o Terraclass. Os dados batiam.
Em 2014, com a repetição dos dados de campo do Rally da Pecuária, foi possível incluir mais uma base de checagem. Os dados diretos a campo, levantados pela própria expedição, assim como a análise dos pontos por imagens de satélite, conduzidos pelos pesquisadores e consultores da Agrosatélite, comprovava o comportamento que o Terraclass já havia possibilitado concluir.
A diferença era explicada pela área degradada, que iniciara o processo de regeneração. É fundamental entender que a maior parte dessa regeneração é involuntária e ocorre em consequência de erros que se originam na condução da atividade pecuária.
Embora esse processo represente um acúmulo de carbono, que deveria ser computado como ativo no balanço da pecuária de corte, em termos de sustentabilidade ainda é um passivo. Do ponto vista social e econômico, a perda de pastagens por degradação representa o maior impacto negativo na atividade pecuária.
Por fim, foi possível construir uma base que fizesse sentido e fosse monitorada e acompanhada através dos dados anuais divulgados. Algumas consultorias chegaram a números muito próximos, enquanto outras simplesmente aceitavam os dados do censo.
É nesse cenário que surgem os primeiros mapas divulgados pelo Lapig e pelo MapBiomas. A informação do Lapig se aproximava da estimativa da Athenagro, com uma diferença de mais ou menos 4 milhões de hectares. Quando o MapBiomas deduziu das pastagens aquelas áreas que haviam sido identificadas em outras atividades, o número ficou bem abaixo do divulgado pelo Lapig.
E essa diferença seria compreendida um ano depois pela divulgação de uma pesquisa encomendada pela Rede Fomento, que estimou a área de integração entre pastagens e outras atividades. O total, quando somado às pastagens do MapBiomas, gerava uma diferença de menos de 1 milhão de hectares em relação ao estimado pela composição adotada pela Athenagro.
Fim do problema e de toda ginástica, o MapBiomas havia gerado um dado confiável e, com base nele, o nosso esforço seria dirigido a outro grande desafio da pecuária: identificar a evolução e a quantidade do rebanho com exatidão, o que seria possível a partir de uma terceira base de dados que pudesse ser usada para definir o ponto certo entre pesquisa pecuária municipal e censo.
Se o MapBiomas tivesse se esforçado para melhorar as análises georreferenciadas, a partir das ferramentas que possibilitam a exatidão das informações, a confiabilidade dos dados seria garantida. Para nós, usuários, implicaria em melhores condições de análises possibilitando entregas de melhor qualidade. Classificar as críticas dedicadas ao MapBiomas como levianas e corporativistas é estratégia para evitar o debate.
O que mais motiva tais críticas é a aparente perda de foco em relação à proposta original. Qual a razão de abandonar um processo de construção do conhecimento tão bem elaborado para gerar uma série histórica que desconsidera e desmente a única fonte de dados completa que temos em relação ao que ocorre no campo?
A partir das confusões e revisões significativas nos dados divulgados pelo MapBiomas, excluímos tais informações de nossa base.
A metodologia adotada pela Athenagro é composta por dados de diversos órgãos e checados por informações de campo, mercado e pesquisas, quando disponíveis. Recuando a metodologia até 1985, ano de censo, é possível comparar o censo, o MapBiomas (versão 4.1) e a composição feita pela Athenagro nos períodos relacionados.
A cada informação considerada e adicionada na avaliação, aumenta a confiança que temos na metodologia. Não se trata de um dado gerado internamente, mas sim da base censitária, com uma diferença estimada pela pesquisa pecuária municipal.
Vale reforçar também que, por definição, o censo do IBGE não pode errar para cima. Se estiver errado, tal erro só pode ocorrer para baixo, a menos que haja manipulação dos resultados. Como explicar a diferença entre censo e MapBiomas nos anos de 1985 e 1995?
A comparação entre as séries históricas do MapBiomas e as adotadas pela Athenagro está exposta na figura a seguir.
Evidentemente, pelas razões expostas em diversos textos publicados pela Athenagro, não há condição de considerar os dados do MapBiomas como base aceitável de referência para área de pastagens. O problema ficou ainda maior com a revisão entre as versões 3. para as versões 4.
Entre um conjunto e outro de coleções de mapas, a área pastagem pulou da faixa de 140 milhões para 180 milhões de hectares.
Essa área não se justifica quando se consideram conhecimentos primários de manejo de pastagens. Pastagens se degradam basicamente pela super ou pela sub lotação da área. As formas de degradação seguirão dinâmicas diferentes, que ainda serão impactadas pelo bioma em questão. Mas, nessas duas condições, as pastagens irão se degradar.
É inaceitável que estudos relacionados às estatísticas de pastagens não incluam, em suas equipes, alguém especializado em manejo de campo dedicado a revisar todas as incoerências que a base de dados possa gerar. É um método simples adotado em toda empresa de consultoria, seja na equipe interna, seja através de terceirização.
Ainda na relação entre bovinos e pastagens é preciso considerar o pacote tecnológico adotado a campo.
Informações de mercado e pesquisas quantitativas e qualitativas conversam coerentemente com diferentes indicadores que podem ser obtidos a partir de informações oficiais. A pesquisa pecuária trimestral, também do IBGE, confirma essa evolução do pacote tecnológico através do aumento no peso das carcaças bovinas abatidas. O MAPA, através do SigSif, corrobora as mesmas informações.
A pergunta que se faz, diante da área sugerida pelo MapBiomas, é: pelo pacote tecnológico atual, qual o tamanho do rebanho necessário para manter uma área de 183 milhões de hectares de pastagens? A resposta seria algo próximo de 240 milhões de cabeças.
Os dados oficiais, quando comparados, apontam que o rebanho médio anual oscila entre 190 e 200 milhões de cabeças, considerando nascimentos, mortes e abates. No entanto, o número mais usado é o da PPM (Pesquisa Pecuária Municipal, IBGE), que marca cerca de 214 milhões de cabeças.
É possível que o MapBiomas esteja correto? Pode ser, mas para que seus dados sejam realmente levados a sério, eles precisam ser explicados sob o rigor da produção científica.
No entanto, para que o MapBiomas esteja certo, as três principais fontes de dados do IBGE (PPT, PPM e censo) precisam estar erradas. No caso do censo, seria um erro acumulado nos últimos 35 anos que teria ocorrido dentro de uma linha de tendência lógica para os indicadores técnicos e macroeconômicos ao longo desse período. Qual é a probabilidade?
Os relatórios anuais do MAPA, referentes à vacinação contra febre aftosa, também estariam errados. Todas as pesquisas e informações sobre áreas em integração com lavoura ou florestas estariam igualmente incorretas.
Na verdade, a integração entre pecuária e outras atividades nem existiria no Brasil. Aceitando-a na proporção que se aceita hoje, o rebanho teria que ser próximo de 280 milhões de cabeças para justificar a área de pastagem do MapBiomas.
O que está em discussão é quantos dados e quantas bases de informações o MapBiomas está colocando em dúvida?
É o MapBiomas que precisa se adaptar ou são todas as bases de dados e todo o conhecimento, acadêmico e de campo, acumulado sobre pecuária que precisa se adaptar ao MapBiomas?
Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo e diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
Obs: Todos os dados citados ou mencionados na sequência dos textos está disponível para download no “Perfil da Pecuária do Brasil em 2019”, aberto ao público por cortesia da Abiec (Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne).
Artigos relacionados ao tema:
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Fonte da Notícia
Athenagro