A falta de sensibilidade de quem se diz consciente

A experiência de 2020 é um divisor de águas para a sociedade. Além da vulnerabilidade biológica da humanidade, os acontecimentos evidenciaram um cenário que alguns especialistas mais atentos vêm alertando há anos. O mundo todo passa por uma crise de liderança.

Não tínhamos em 2020, e não temos ainda, estrutura psicológica e intelectual nas esferas decisórias para enfrentar os desafios. No Brasil, a situação parece pior.

Alimentados pelo populismo, pela demagogia e pela certeza de que sairão impunes apesar da soma de decisões catastróficas e irresponsáveis, representantes da sociedade, sejam ocupantes de cargos eletivos ou concursados, parecem alienados ao drama que aflige a grande maioria.

Aumentos de salários, ampliação de privilégios, superfaturamento em compras de insumos hospitalares, orçamentos pessimamente administrados, procuradores solicitando prioridade na vacinação são alguns dos exemplos da falta de conexão entre realidade e a ilusória sensação de segurança pela crença de que o estado poderá prover eternamente.

Enquanto isso, a iniciativa privada se reinventa. Empresários de todos os tamanhos e em todos os setores lutam para manter seus negócios. Redução de salários da liderança visando manter os empregos dos menos privilegiados, endividamento, venda de ativos recentemente conquistados, parcerias, inovações em momentos de total incertezas são alguns dos itens comuns entre as empresas que geram riqueza, movimentam a economia e são capazes de, com isso, manter o fluxo financeiro que, em última instância, gera os impostos.

São dois mundos totalmente diferentes. Isso ficou evidenciado na primeira semana de janeiro com a reação dos produtores paulistas diante do PL 529 que aumentaria a carga tributária de diversos itens, especialmente os relacionados à alimentação.

É o estado – que deveria cuidar do bem estar do cidadão – aumentando seu próprio peso para corrigir sua própria incapacidade de gerenciar recursos. É o cidadão forçado a bancar as regalias e a incompetência daqueles que deveriam trabalhar mais e discursar menos.

Os cargos são diferentes, mais simpáticos atualmente. As leis são mais civilizadas, assim como também é a qualidade de vida. No entanto, a relação entre representantes de governo e sociedade é muito semelhante ao que acontecia nos feudos da Idade Média ou na sociedade escravocrata que construiu as grandes pirâmides. Somos forçados a manter uma casta detentora de privilégios hereditários, pagos por impostos e não pela produção de riquezas. São raras as exceções. 

Grande parte da elite intelectual urbana parece não se dedicar a entender a complexidade dos problemas. Ao invés de forçar pela modernização, pela justiça social e pela melhoria da qualidade de vida, parece mais disposta em marcar posições embasadas nos seus arraigados preconceitos. É o caso da postagem do Instituto Escolhas no mesmo dia em que produtores do Estado de São Paulo foram às ruas pressionar pelo bom senso.

Segundo eles, a cadeia de produção de carne contaria com incentivos da ordem de 79% sobre o valor arrecadado pelo setor.

O instituto não explica como o estudo chegou nesses números e usa de informações incompletas para ludibriar a opinião pública e jogá-la contra o produtor rural. O estudo de subsídios da carne, apresentado no início de 2020, considerou dois recursos cujos benefícios não são usufruídos pelos produtores responsáveis pela maior quantidade de carne produzida. Ambos são justamente os mais expressivos, segundo as conclusões dos autores.  

O primeiro é a desoneração da cesta básica, benefício concedido à população mais carente. O segundo é o Pronaf, cuja apropriação deveria ser adequadamente ponderada. Um dos números mais preocupantes identificados pelo Censo 2017 é em relação ao público-alvo do Pronaf. Esse público soma 76% do total dos estabelecimentos pecuários do Brasil e movimentou apenas 16% do total das vendas. A porcentagem de carne produzida, que recebe o recurso, é ínfima, embora a ajuda atenda os produtores mais vulneráveis.

A postagem do Instituto Escolhas é contra benefícios cedidos pela sociedade a pequenos produtores, incapazes de se manter, e à população mais carente, cuja situação se tornou ainda mais delicada no decorrer do ano. São esses dois grupos da sociedade os alvejados pela postagem do Instituto Escolhas; justamente os mais necessitados, do campo e da cidade.

Para conhecimento: entre agosto de 1994 e dezembro de 2020, os custos de produção da carne aumentaram 2.150%, enquanto os preços recebidos pelos produtores aumentaram 775%. Os preços das carnes, aos consumidores, aumentaram 674%.  

A solução é aumentar os impostos sobre a produção de alimentos? É essa a proposta do Institutos Escolhas? 

por Maurício Palma Nogueira , engenheiro agrônomo diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

Fonte da Notícia
Athenagro

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